A Vida nas Trincheiras |
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O Treino do CEP em França e Inglaterra
A Caminho da Frente
As tropas portuguesas seguiam da zona de desembarque e acantonamento para a linha da frente por via férrea para a zona de guerra. Após passar a zona de Amiens o cenário muda pela pela predominância de fardas militares. Acampamentos militares, hospitais, e perto de Étaples começam a ser vistos os primeiros cemitérios. Em Hesdigneul as tropas faziam o transbordo de comboios civis para comboios militares de transporte de munições ou de feridos, que os levavam até St. Omer1.
Nas memórias do Tenente Barros Bastos BI 23 as tropas desembarcadas partiram de Brest no dia 26 de Fevereiro de 1917 em direcção a Aire-sur-la-Lys, onde chegaram três dias depois a 1 de Março. Um dia antes de chegar já se ouvia o troar dos canhões ao longe. Depois de chegar a Aire-sur-la-Lys ainda se deslocaram pela via ordinária até Euquin-les-Mines onde ficaram acantonados. Algumas semanas depois o BI 23 passou a estar acantonado em Ecques(34).
A Distribuição das Tropas
Na linha da frente encontrava-se a infantaria que ocupavam as trincheiras e os apoios desde Fleurbaix a Festubert, passando por Rua de Bois, Fanquissart, Neuve-Chapelle e Ferme du Bois. Segue em segunda linha a artilharia de campanha e depois os os quartéis-generais de Brigada e as ambulâncias da frente.
Mais à retaguarda, , perto de Lestrem e Lagorgue os quartéis-generais de Divisão e serviços de apoio logístico e administrativos. Em Merville o Hospital de Sangue nº1, St. Venaint o quartel-general do C.E.P., e Marthes, Ecques , Dohen e Fauquembergues as ambulâncias de retaguarda. É nestas zonas que os Batalhões vêm para descanso na retaguarda, "recoca", ou preparação para a ida para as trincheiras2.
O Batalhão de Infantaria 23 entrou pela primeira vez nas trincheiras a 7 de Maio de 1917. Primeiro estivaram parados em Levantie e só após o bombardeamento alemão que aconteceu pelas 23 horas é que entraram nas trincheiras no sector de Neuve-Chapelle, pela Winchester Trench, onde se encontrava o Regimento de York and Lancaster. Em Agosto de 1917 o BI23 encontrava-se no subsector 1 do sector Neuve-Chapelle, onde guarneciam a linha de reserva e o reduto Sign Post(35).
Em Novembro de 1917 o BI23 esteve em repouso em Mametz, de onde partiu novamente para as trincheiras, desta vez para o Sector de Ferme du Bois(36).
A Linha da Frente - Front
Existia uma hierarquização do perigo de zona para zona, assim desde a linha da frente às bases da retaguarda, existia o que se poderá equivaler aos os sete círculos da guerra da "Divina Comédia", mas em que os eleitos estão no inferno. Na retaguarda a vida era triste e monótona, longe de tudo menos das lembranças longínquas que enchiam de tédio os soldados e lhes destruía a vontade, na época a chamavam "zona neutra".
O caminhar da retaguarda para as linhas da frente (Linha de Apoio, Linha B e Linha A) é como atravessar todos os círculos da agonia até entrar nas planícies da morte. Casa destruídas, espigões de madeira fracturados em ruas cemitérios, campos eriçados de arame farpado, panos de paredes carcomidas, rebentamentos de granadas de artilharia, a constante rasoira terrível das metralhadoras e a terra esventra-se em rasgões.
No "front" junto ao parapeito (Linha A), o perigo fustigava os nervos e a vida exaltava todas as faculdades de sentir. Escapava-se à morte com algumas chicotadas na medula, e vem a vontade de viver. Nas trincheiras "cava-se" e "mergulha-se" no chão. As trincheiras eram um sistema de fossos rasgados no chão até à altura dum homem em três linhas paralelas: Linha de A, Linha B e Linha de Apoio, ziguezagueando e entreunindo-se até aos parapeitos sobre a "terra de ninguém". Nos fossos abriam-se lateralmente cavernas, uma espécie de silos e as granadas e a chuva revolviam a terra transformando-a em lama e água. Tudo é lodo e miséria, a esperança de vida assenta apenas no acaso.
Os homens transformam-se com o passar do tempo, ganham com o tempo uma fisionomia especial, tanto mais dura quanto mais perto do inimigo. A vizinhança da morte, as longas vigílias, o sol, o frio envelhecem a a expressão, dissipam a juventude e transformam-nos em velhos. Na faixa estreita das trincheiras vive-se junto à morte, no meio de balas e granadas, que são cegas. Os vivos têm de viver em promiscuidade com os mortos, mais do que isso, com as mutilações dos cadáveres. O cheiro é por vezes nauseabundo e o fedor a carne putrefacta paira no ar. O chão está tingido de sangue3.
As trincheiras são uma grande cova, onde se aprende o ofício de morto. Sim, uma cova muito longa, tão longa que nem se mede com a fita. A unidade métrica nas trincheiras são os sete palmos de terra. A primeira linha, com muitos soldados, é uma espécie de vala comum5.
O Horizonte de destruição e as Imagens de Cristo e Nossa Senhora
Junto à zona da linha da frente, em Neuve-Chapelle, encontrava-se um calvário de pé. Os combates tinham abarrotado os cemitérios mais próximos. Muitos soldados tinham caído por terra, com o revolver do chão pelas granadas de artilharia, e ficado sepultados ao acaso, anónimos, no lugar onde tombaram, mas o Cristo ficou intacto.
No final da tarde quando as sombras deixam de se sentir, o Cristo do calvário intacto, erguido no alto do seu madeiro domina a paisagem e assume proporções de revelação divina. Cristo estende os braços e espalma as mãos sangrentas para o além, sobre toda a terra do martírio e dos combates. No chão escondem-se a turba martirizada, a multidão dolorosa e redentora, o soldado da grande guerra4.
Os Raids
Sob a designação de raids englobavam-se todas as operações militares executadas pela infantaria no front contra o inimigo, em acções de trincheira a trincheira, e para a execução destes existia o serviço de patrulhas. As patrulhas eram dimensionadas com numero de homens e equipamento utilizado conforme o objectivo. Assim, para espiar as linhas inimigas, atravessando a "Terra de Ninguém" rastejando até o mais próximo possível do parapeito inimigo, "Patrulhas de Escuta", utilizavam-se dois homens. Para percorrer a "Terra de Ninguém" como simples elemento de segurança, "Patrulha de Segurança" utilizava-se uma dúzia de soldados. E para destruir as defesas de arame farpado inimigo e fazer atrito sobre as linhas inimigas, "Patrulha Ofensiva", utilizava-se cerca de 30 a 40 homens e levava-se uma metralhadora. Só em 1918 é que se organizaram "patrulhas" com efectivos ao nível de companhia, aproximadamente 200 homens. (21)
Estas patrulhas iam à "Terra de Ninguém" ligadas o seu parapeito através de um arame guia que lhes servia para comunicar, através de esticões e quando deixados no terreno também serviam para que em futuras operações se tivesse alguma indicação sobre passagens possível entre os arames farpados inimigos. Em 1918, quando as "Patrulhas Ofensivas" começaram a sser organizadas com a dimensão de companhia, passaram a integrar telefonistas com ligação constante com um posto de SOS da 1ª Linha.
Porque as operações de patrulha eram sempre de noite, e quando possível aproveitando as noites escuras, havia o cuidado de efectuar camuflagens, o que implicava pintar a cara e mãos de preto com graxa ou carvão e nas noites de neve vestir um impermeável branco que os confundia com ela. Nas trincheiras eram conhecidos pelos fatos à "pierrot". (22)
Se desde a chegada às linhas da frente em 1917 que as unidades eram atacadas por bombardeamentos regulares e sofriam casualmente raids alemães, mas desde Março de 1918, a Frente Ocidental apresentava uma actividade cada vez mais intensa, tendo existido um raid alemão sobre as nossas linhas que foi respondido com um raid a 12 de Março, seguindo-se outros raids alemães e portugueses em consecutivas respostas de uns e de outros. Nessa altura encontrava-se na zona de combate a 3ª e 6ª Brigada, que foi suportando e fazendo os sucessivos raids. Mas o perigo não se cingia apenas àqueles poucos quilómetros da frente de combate, uma vez que a artilharia alemã, suportada por canhões de 240mm, chegava a bombardear até 30 km na retaguarda, chegando a atingir os comandos divisionais e até o comando do CEP. (27)
Raids portugueses às linhas alemãs
Américo Olavo (Capitão de Infantaria, 2º Regimento de Infantaria, comandante de Companhia)
"Para os que não conhecem assuntos militares, eu direi que raid é uma operação de detalhe, misto de corrida e de golpe de mão sobre a posição do adversário, com intenção de ali colher prisioneiros e material, destruindo ao mesmo tempo as suas instalações e abrigo. É sempre uma operação executada n'um espaço de tempo limitado, feita portanto com rapidez, com decisão, com desembaraço."
" A incursão nas linhas inimigas faz-se em geral depois d'uma rápida preparação pela artilharia e morteiros que force a guarnição do ponto a atacar, a abrigar-se, de forma a serem os parapeitos assaltados com o mínimo de perdas possível. As linhas devem ser atingidas antes que o inimigo se aperceba do ponto em que a ruptura se produz e por isso se faz muitas vezes uma diversão, bombardeando seja com artilharia, seja com morteiros, não só o ponto a atingir como as trincheiras laterais e ainda pontos d'ali afastados, de forma que o inimigo, não possa determinar o local preciso em que queremos realizar as nossas intenções."
"Depois a nossa artilharia, isola uma certa zona de terreno, batendo todas as trincheiras de comunicação que ali dão acesso, e as metralhadoras pesadas colaboram, incidindo sobre os cruzamentos em que o inimigo possa procurar passar. Chama-se a isto «formar a caixa». E é dentro da caixa que a nossa pesquisa ou a nossa luta tem lugar" (14)
Um problema que se colocava às forças que executavam o raid era o regresso às suas linhas em noites de neblina ou encobertas, que levavam a que muitos soldados ficassem horas seguidas na "Terra de Ninguém" à espera de um raio de luar, ou uma abertura no céu que lhes permitisse ver as estrelas para se orientarem. Por vezes perdiam-se e iam cair nas linhas inimigas. O Capitão Américo Olavo preferia executar os raids em noites de lua cheia, porque lhe dava melhor visão ao perto e dificultava a visão inimiga à distância.
O ataque efectuado pelo BI 2 com o efectivo de uma companhia, em 3 de Abril de 1918, às linhas inimigas foi organizado em três colunas distanciadas entre elas de cerca de 100m, compostas por 60 homens cada. À direita o Alferes Lopes Praça, ao centro o Alferes Martins Ferreira e à esquerda o Alferes Bello. Com a coluna do centro seguia o Capitão Américo Olavo, com os telefonistas com ligação constante com um posto de SOS da 1ª Linha. À frente de cada coluna seguia um grupo de quatro soldados de engenharia com torpedos para abrirem ruas nos arames farpados inimigos e bombas para destruírem os abrigos que encontrassem.
Depois de se encontrarem colocados na "Terra de Ninguém" ficaram a aguardar pelo fogo de artilharia para preparar "a caixa". Quando começou a barragem de artilharia foram avançando colados a esta sempre a avançar em direcção ao inimigo. Chega então o momento em que os soldados de engenharia rebentam os arames farpados que protegem a 1ª Linha inimiga e é dado o assalto. A linha inimiga é revistada e não são encontrados inimigos, terão fugido e deixado dois abrigos em cimento abandonados, que a engenharia faz destruir.
O Capitão Américo Olavo deu ordem para as colunas laterais retirarem assim como metade dos homens da sua coluna, ficando com ele apenas o Alferes Martins Ferreira, o Alferes Costa Alemão de Engenharia e o Alferes Silvino Saraiva de Morteiros que se tinham oferecido para o acompanhar, e 30 dos seus homens, para proteger a retirada. Entretanto, a artilharia alemã começa a disparar sobre "a caixa" e atinge o Alferes Martins Ferreira que fica ferido em dois sítios. A retirada da linha alemã e a passagem pela "Terra de Ninguém" foi penosa e sempre perseguida pela artilharia inimiga. No final não regressaram 8 homens. (16)
Martins Ferreira faz referencia à acção do Capitão Américo Olavo, em 3 de Abril de 1918, no sector de Chapigny, indicando que estava uma noite escura e chuvosa e que o avanço chegou até à 2ª Linha inimiga, onde destruíram as tabuletas e os abrigos. As linhas inimigas foram abandonadas durante o ataque português. Na retirada os alemães bombardearam a "caixa" que cobria a retirada portuguesa, tendo ficado desaparecidos 8 soldados e feridos 1 oficial e 13 praças. (18)
Jaime Cortesão (Capitão-médico, 23º Regimento de Infantaria)
Nas suas memórias, remontando a 12 de Março de 1918, escreve:"...Ai! adeus, acabaram-se os dias... Já não há uma hora de sossego, desde os começos de Março. E no receio ou no preparo duma ofensiva — vão lá saber... a gente nunca sabe....— torna-se mais densa a infantaria junto às linhas." (Cortesão 1919:157). "...fui avisado pelo ajudante Zé Ferreira que o general Gomes da Costa queria alguns boches e escolhera a minha companhia para essa operação...", "Às duas da madrugada marchamos pela trincheira para os pontos de saída. E cautelosos, em silêncio, rastejando, cortamos a terra de ninguém, até que às duas e quarenta e cinco estamos em linha a 25 metros do boche, devidamente escalonados em grupos por ordem de execução das missões." (Cortesão 1919:159).
"Às três, a artilharia pesada começa a festa. O boche mostra-se inquieto. Gasta muitos very-lights. E bate toda a terra de ninguém, ao acaso, com rajadas consecutivas de metralhadoras. E à minha frente, ali a dois passos, vejo os boches, sondando o chão, de pé no parapeito, inclinando-se desconfiados. A gente reteve o respirar, mas parece-nos, tão próximos os vemos, que até as pancadas do coração eles podem ouvir." ... "Às quatro e cinquenta e cinco a nossa artilharia de campanha rompe um fogo infernal, desarrumando a casa ao nosso Fritz, por completo. Chegou a hora. Só mais cinco minutos. Às cinco horas temos que abalar. Meu amigo, estes cinco minutos são terríveis. O boche alumia toda a frente numa profusão fantástica de projécteis iluminantes. As balas das metralhadoras silvam, batem às cegas, à nossa volta." (Cortesão 1919:160).
Às cinco termina o fogo de artilharia de apoio e "...Os cento e vinte homens, ao sinal dos alferes, atiram-se ao assalto". Os meus soldados, já na trincha, varrem à frente os boches à baioneta e à granada. Corro a juntar-me a eles. (Cortesão 1919:161). "Alguns soldados correm pelas trinchas de comunicação à linha de suporte, continuar a caça, convidam-se os boches, sãos e feridos, que estão dentro dos abrigos a vir connosco. —Portugal três bonne. Carne on tout de suite. Mas os boches recusam todos com pertinácia" ..."Eu já tinha uma metralhadora e um prisioneiro" ..."agarrado cada qual a um souvenir. A malta veio toda, com 25 feridos ao que me disseram." (Cortesão 1919:162).
Hernâni António Cidade (Alferes, 35º Regimento de Infantaria, Comandante de Companhia)
Refere o Capitão-médico Jaime Cortesão, em 10 de Novembro de 1917, que "... Vagueio com o meu camarada médico, por entre a turba. Ali perto, a comandar uma companhia, está o Alferes Hernâni Cidade, herói do 14 d'Agosto e um dos poucos que já tem a Cruz de Guerra." O Alferes Hernâni Cidade foi mobilizado em 26 de Outubro de 1916, como cabo, porque sabia ler e escrever. Da sua firmeza e sentido do dever veio a distinguir-se, sobretudo pela sua coragem ao serviço da dignidade humana: em 14 de Agosto de 1917, apenas com três soldados, atravessou "a terra de ninguém", debaixo de fogo, e foi às linhas alemãs buscar os soldados portugueses feitos prisioneiros num raid inimigo. Ainda, debaixo de fogo "na terra de ninguém", foi buscar um alemão ferido que o traz para as trincheiras portuguesas. Com este acto foi-lhe atribuída a Cruz de Guerra. 6
O Alferes Humberto de Almeida nas suas memórias conta-nos o episódio de 14 de Agosto de 1917, que levou à condecoração do Alferes Hernâni Cidade com a Cruz de Guerra. Na madrugada os alemães iniciaram um intenso bombardeamento contínuo do subsector de Neuve-Cahpelle ocupado pelo BI 35, que indicava que iriam iniciar um ataque às nossas linhas. Nesse dia utilizaram inclusive um gás diferente. Iniciado o ataque foi lançado o SOS, very-light vermelho, que foi respondido com fogo defensivo por parte da nossa artilharia. Os alemães que nos atacaram eram tropas frescas e descansadas que vinham da Rússia que com uma extrema violência conseguiram chgar até à 2ª Linha, onde foram travados. Já retiravam através da "terra de ninguém" para as suas linhas com prisioneiros do BI 35, quando o Alferes Hernâni Cidade saltou da trincheira acompanhado por três soldados e lançaram-se sobre alemães em retirada com os prisioneiros portugueses, que ao verem o Alferes os soldados portugueses prisioneiros atacaram a escolta alemã e prenderam-nos e levando-os agora como prisioneiros para as nossas linhas. Com este acto o Alferes Hernâni Cidade transformou aquilo que poderia ter sido uma derrota numa grandiosa vitória ao libertar perto de uma centena de portugueses. (14)
Numa das suas cartas à família o Capitão Manuel Maia Magalhães, oficial de Cavalaria incorporado no Estado-maior da Base do CEP, indica que "...na noite de 13 para 14 [de Agosto de 1917] os alemães fizeram um forte ataque às nossas trincheiras, com tropas numerosas e especiais para o assalto, mas foram completamente repelidas morrendo muitos d'eles, entre os quais um capitão, um tenente e um alferes alemães. Entre os nossos tornou-se especialmente notável um alferes de infantaria, miliciano, [Hernâni Cidade] que só com 10 homens se atirou para cima de um grande grupo de alemães que levavam alguns homens nossos prisioneiros, e por tal forma falou aos nossos homens e atacou os alemães que salvou todos os nossos prisioneiros, prendeu 6 alemães, matou o tenente e o alferes alemães, e pôs os outros em fuga. E dizem por aí que os milicianos não prestam." (17)
João Pina de Morais (Tenente, 13º Regimento de Infantaria, comandante de Batalhão)
Relata sobre a execução de uma patrulha em 1917 efectuada por um alferes do seu Batalhão, o qual tinha recebido as instruções no dia anterior. "Patrulha d'oficial, 30 homens, às linhas inimigas. Saída no ponto M.22; H.12. Leva uma metralhadora". Dos homens escolhidos "...havia lá soldadinho, entre os trinta que levei, que conhecia aquilo como a casa dele - são desses que aborrecidos nas noites largas, vão à coca do boche por passa tempo". (Morais, 1919:60)
Chegada a hora "... os soldados estavam ali reunidos onde os parapeitos estavam mais direitos mostrando à luz dos very-lights os rostos sorridentes e o olhar infantil" (Morais, 1919:62) É o avanço em direcção às linhas inimigas. "os very-lights desciam a demorar-me enormemente - e as coisas tinham sombras que se espalmavam tombando, outras que corriam como inundações d'água suja, outras grandes que eu não via até onde chegavam."(Morais, 1919:63). Pondo de parte a bengala, pego na espingarda do ordenança..."e dispara, "um dos soldados que aprofundara já a vista na trincheira inimiga diz-me ao ouvido: - nem boia, meu Alferes!". Avançam sobre a trincheira e ouvem os alemães, começando de imediato uma enorme fuzilaria.
A patrulha termina e ao regressar encontra uma patrulha alemã que estava junto ao arame-farpado da trincheira portuguesa, "... as duas patrulhas fuzilam-se, granadeiram-se, sem se verem, na sombra, na lama". À luz dum very-light, vêem-se os recortes das sombras dos soldados e baionetas dos alemães, que desaparecem para sempre. "Os soldados começam a entrar na nossa trincheira...para a esquerda desenha-se uma figura maior de três soldados - devem segurar algum ferido."(Morais, 1919:65-68)
David Magno (Capitão de Infantaria, 13º Regimento de Infantaria, comandante de Batalhão)
Relata um acontecimento no Batalhão de Infantaria 23, de Coimbra, em 1917, relativo a um soldado de uma patrulha enviada à "Terra de Ninguém" e não tinha regressado. No dia seguinte um Cabo veio comunicar ao comandante da Companhia que o soldado desaparecido se encontrava morto dentro de uma cratera, junto ao parapeito inimigo. Quando perguntado como o sabia disse: _ "é que eu fui lá ver". "...voltou novamente a busca-lo, com dois maqueiros, desta vez mostrando a maca bem alto e os braçais da Cruz Vermelha. Com estupfacção de todos , alguns alemães ergueram-se ao parapeito e fizeram a continência ao morto até que entrou de novo nas nossas trincheiras, de onde o nobilíssimo gesto foi retribuído." (11)
Humberto de Almeida (Alferes de Infantaria, 7º Regimento de Infantaria)
Relata o Raid efectuado pelos alemães à 1ª Linha defendida pelo BI 7, em Neuve-Chapelle, no dia 14 de Setembro de 1917. As tropas alemãs que se encontravam à frente tinham sido rendidas alguns dias atrás e não se sabia qual a identificação deste novo corpo militar alemão. Na madrugada de 14 de Setembro os alemães deram início a um bombardeamento contínuo que indiciava um ataque para breve. O assalto deu-se com a penetração dos alemães na primeira linha e consequente luta corpo-a-corpo. Os homens do BI 7 resistiram e expulsaram os inimigos, dando um exemplo de heroicidade aos "Tommy" que observavam o combate. Os alemães retiram e deixaram sete prisioneiros e não levaram nenhum. Nesta acção destaca a valentia do Alferes Teixeira do BI 7 durante o combate. (12)
Ribeiro de Carvalho (Capitão de Infantaria, 21º Regimento de Infantaria, comandante de Companhia)
Martins Ferreira relata-nos o raid executado a 8 de Março de 1918, no sub-sector direito de Ferme du Bois, com um efectivo de uma companhia do BI 21, comandada pelo Capitão António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho. O raid foi bem sucedido e alcançou todos os objectivos programados: destruição de abrigos na 2ª Linha alemã, inutilização de um troço de linha de Dacauville, linha de bitola de 60 cm para pequenas locomotivas a vapor que eram utilizadas para transporte e abastecimento do front, fizeram prisioneiros, tomaram material e causaram baixas. (19)
Vale de Andrade (Capitão de Infantaria, 14º Regimento de Infantaria, comandante de Companhia)
Martins Ferreira relata-nos o raid executado a 19 de Março de 1918, no sector de Neuve-Chapelle, com um efectivo de uma companhia do BI 14, comandada pelo Capitão José Maria Vale de Andrade. O raid foi bem sucedido e alcançou todos os objectivos programados tendo feito prisioneiros, tomado material e causado baixas. (20)
Raids alemães às linhas portuguesas
Em 23 de Novembro de 1917, na noite em que o Batalhão de Infantaria n.º 1 (BI1), de Lisboa, chegou às linhas, no processo de substituição da 6ª Brigada pela 3ª Brigada no subsector de Fauquissart. Os alrmães fizeram um raid com um efectivo de uma companhia, que se iniciou com um forte bombardeamento sobre a 1ª e 2ª linhas, linhas de comunicação e comando do Batalhão. O ponto atacado pelos alemães era defendido pela 2ª companhia do BI1, comandada pelo Capitão Manuel Henriques Carreira, coadjuvado pelos Alferes Moniz e Brito. Apesar da violência dos bombardeamentos a 1ª linha manteve-se nos postos e recebeu os inimigos a tiro. Num dos postos um cabo e quatro soldados portugueses chegaram ao corpo-a-corpo tendo matado o oficial alemão e ferindo um soldado que o acompanhava e que acabou por ficar prisioneiro dos portugueses. O ataque alemão acabou por ser repelido com um custo de 6 mortos e 10 feridos na 2ª Companhia do BI1. (26)
As Noites de Vigília
Na primeira linha junto ao parapeito, as noites eram de vigília em silêncio, passada a escutar o que não se conseguia ver. Nas longas noites geladas do Inverno de 1917, faziam por se manterem quentes, "vivos", fumando cigarros mergulhado a cabeça escondida na trincheira. (23)
Descrição de um
abrigo no Front (primeira linha)
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Alicate |
Soldado de infantaria de Transmissões |
Avenida Afonso Costa |
Terra de Ninguém |
Avenida dos Alferes |
1ª Linha das Trincheiras |
Barris de almude |
Projéctil de artilharia grande |
Boche |
Soldado alemão |
Boletim de Operações e Informações |
Almocreve das petas |
Cachapim |
Soldados que conseguiram ser transferidos para a retaguarda, ou que tendo ordem de ir para as trincheiras nunca lá chegaram |
Cavanço |
Fuga para a retaguarda |
Comer graxa |
levar com estilhaços (termo muito pouco usado) |
Copos de meio litro |
Projéctil de artilharia pequeno |
Cortar prego |
Ter medo |
Elefante |
Abrigo metálico (chapa de ferro ondulado, em forma de arco) |
Estaminets |
lojas (nos acantonamentos os melhores estaminets eram as mess de ofciais e de sargentos) |
Front |
Zona de combate |
Front line |
linha da frente, também denominada “A Line” |
Garrafas de litro |
Projéctil de artilharia médio |
Lanzudo |
Soldado português |
Língua do pica-pau |
Sinais de Morse |
Linha das Aldeias |
terceira linha das trincheiras (Village Line) |
Menino |
Projéctil de morteiro ligeiro |
Mobília |
Equipamento individual do soldado |
Museu |
Abrigo do comando do Batalhão |
Palmípedes |
Soldados de estado-maior ou que conseguiam não ser enviados para as trincheiras |
Poilus |
Soldados franceses |
Porco |
Projéctil de morteiro pesado |
QG3 |
"Quartel General da Terceira Divisão", nome dado à papelaria Faës Flageollet em Aire sur la Lys, na Flandres. |
Recóca |
Serviços de apoio na primeira linha, cozinheiros, tratadores de gado, condutores, etc. longe do parapeito |
Salchichas |
Balões de observação (drachens) |
SOS |
Pedido de artilharia de apoio |
Terra de ninguém |
Espaço entre as primeiras linhas (no man's land) |
Tommies |
Soldados ingleses |
Trinchas |
Soldados portugueses que se encontram na 1ª Linha |
Very light |
Foguete de luz branca para iluminação nocturna |
Zacarias |
Sniper inimigo |
No começo do Inverno de 1917 foram distribuídos aos soldados em França, pelicos e ceifões alentejanos. Houve, no entanto, alguns soldados que consideraram mas elegante usarem os agasalhos com o pêlo de carneiro virado para fora, o que lhes dava um aspecto curiosíssimo.
A primeira vez que os alemães viram circular os nossos soldados pelas trincheiras com aquele aspecto peludo, juntaram-se numa fileira junto ao parapeito a observar o espectáculo com muito espanto. Foi então que começaram a surgir as gargalhadas de desdém e a ouvirem-se largos "més...".
Não faltou a resposta bem portuguesa ao vexamento que assistiam: _ "Carneiro será o teu pai, meu grande filho da ..." (33)
Links
http://www.medailles1914-1918.fr/portugal-commemo.html
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=KdeIBRluoAw#t=6s
Notas
12- Almeida(1919), pp.83-86.
13- Almeida(1919), pp. 87-92.
14- Almeida(1919), pp. 69-74.
15- Olavo(1919), p.250.
16- Olavo(1919), pp. 249-262.
17- Godinho(2010), p.51
18- Martins(1934a), p 270
19- idem
20- ibidem
21- Morais(1919), p.68
22- Morais(1919), p.69
23- Morais(1919), pp. 95-6
24- Morais(1919), p.98
25- Morais(1919), pp. 105-11
26- Malheiro(1925), pp.448-9.
27- Malheiro(1925), pp. 22-3
28 - Martins, 1934a, p.178
29 - Martins, 1934a, p. 298
30 - Almeida, 1919, pp. 83-92
31 - Martins, 1934a, p.298
32 - Martins, 1934a, p.299
33- Brun(1919), p. 57
34 -Mea(1997), p.46
35 -Mea(1997), p.47
36 -Mea(1997), p.49
Marques, Rafael(2000), "Cruz Vermelha Portuguesa", Coimbra, ed.,Quarteto Editora. (ISBN: 972-8535-29-5)
Ilustração Portuguesa, (1919), Série II, 30 Junho de 1919, n.º 697, Lisboa, O Século, HML
Martins, Ferreira (1934a), "Portugal na Grande Guerra", Vol. I, Lisboa, 1ª ed., Empresa Editorial Ática
Martins, Ferreira (1934b), "Portugal na Grande Guerra", Vol. II, Lisboa, 1ª ed., Empresa Editorial Ática
Amaral, Ferreira do (1922), "A Mentira da Flandres e o Medo", Lisboa, 4ª ed., Editora J. Rodrigues & C.
Cortesão, Jaime (1919), "Memórias da Grande Guerra, (1916-1919)", Porto, 3ª ed., Edição da Renascença Portuguesa.
Almeida, Humberto de(1919), "Memórias dum Expedicionário a França, com a 2ª Brigada d'Infantaria, 1917-1918", s.e., Porto, Tipografia Sequeira.
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Morais, Pina de (1919), "Ao Parapeito", Porto, 2ª ed., Edição da Renascença Portuguesa.
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