Pouco tempo após as primeiras tropas portuguesas terem ocupado posições
na 1ª linha das trincheiras na Flandres, foram visitados por uma equipa
de observadores britânicos com a missão de confirmar os relatos que
chegavam ao Comando do 1º Exército, relativos ao elevado número de
ataques de snipers alemães na zona portuguesa e para quantificar a
liberdade de actuação e eficácia desses mesmos ataques1.
Refira-se que esta mesma situação já tinha sido observada anteriormente
nas linhas britânicas antes do aparecimento de atiradores especiais no
exército, os quais passaram a combater os alemães de igual para igual e
a restringir a sua capacidade de actuação.
Esta especialidade foi desenvolvida pelo
Major
Hesketh Vernon Hesketh-Prichard que criou as contramedidas necessárias
ao
implementar a escola de
observadores e atiradores, com base no Castelo de Hardelot em
Pas-de-Calais, conhecida como First Army Scouting, Observation and
Sniping School – 1ª Army S.O.S. School. Este curso consistia numa
instrução especializada em técnicas de observação e tiro durante duas
semanas2.
À
Escola de Scouting, Observation and Sniping foram adstritos dois
oficiais portugueses a título permanente, que contribuíram para o
posterior estabelecimento de quatro cursos de atiradores especiais para
o Corpo Expedicionário Português. Cada um desses cursos de formação
reuniu em geral oito oficiais e quarenta praças para instrução3.
É
de referir que para os militares portugueses existiu a dificuldade de se
depararem com um armamento pessoal totalmente novo, uma vez que o seu
equipamento standard era a espingarda Mauser. Existiu, ainda, o
problema da língua que obrigava à utilização de intérpretes, já que
raramente se encontrava entre os instruendos um que falasse inglês, e
por último, como refere o Major
Hesketh-Prichard, o exército português ainda
não tinha implementado a utilização de miras telescópicas e adquirido o
hábito de camuflagem4.
Fotos tiradas durante o cursos de
snipers para atiradores do Corpo Expedicionário Português,
na
1ª Army
S.O.S. School (Junho 1917)
Apesar de todas estas vicissitudes, tanto o General Ferreira Martins
como a do Major Hesketh-Prichard referem em trabalhos publicados que os
militares portugueses eram detentores de boa capacidade de adaptação
para a execução de missões de observação e de sniper5.
O
General Ferreira Martins6 a
título de exemplo refere que de 32 praças incorporadas no curso
de
Janeiro de 1918, curso geral de praças britânicas e portuguesas, as
praças portugueses obtiveram o 2º, 4º e 5º lugar da classificação final
e que inclusive o último lugar pertenceu aos britânicos
e o Major Hesketh-Prichard7
refere que num
exercício de demonstração de tiro efectuado por oito atiradores
especiais portugueses, perante um conjunto de visitantes que reunia
oficiais superiores portugueses e britânicos, estes conseguiram frente a
alvos constituídos por cabeças de bonecos (dummy heads) expostas durante
seis segundos a 180m (200 yards) acertar 32 vezes em 40 disparos, o que
representou 208 pontos em 224 possíveis, demonstração cabal da boa
capacidade de adaptação ao armamento britânico e ao tiro com telescópio.
Os Snipers
Alemães
Com o fim da guerra de movimento
nos finais de 1914 na frente ocidental, deu-se início a uma guerra
de desgaste onde as trincheiras se tornaram um palco ideal para a
acção de snipers. Os alemães com uma experiência militar neste tipo
de acção conseguiram durante o ano de 1915 ganhar o domínio da Terra
de Ninguém e como refere o Tenente Shingleton da 7ª Divisão de
Artilharia, qualquer pessoa que se colocasse em pé a descoberto fora
das trincheiras tinha morte instantânea8.
Em 1914 a Alemanha era a única
potência que fornecia em quantidade miras telescópicas para
espingardas às suas tropas e que aproveitava a experiência de tiro
dos caçadores para os trinar no exército como atiradores especiais.
No início da Grande Guerra a Alemanha dispunha de uma grande
quantidade de armas de tiro desportivo com miras telescópicas, assim
como cerca de 15.000 espingardas Mauser Gewehr 98 equipadas de
fábrica com miras telescópicas.
Os alemães, por causa dos hábitos
nacionais de caça grossa tinha a possibilidade de recrutar para
sniper um grande numero de homens que conheciam a arte de tiro e
tinham conhecimentos de camuflagem. Na orgânica dos batalhões de
infantaria alemães existia uma secção de snipers, de 24 homens,
composta por aqueles que tinham demonstrado maior capacidade de tiro
e concluído o curso de atirador especial em uma das várias escolas
existentes no exército9.
Armaduras especiais para snipers
e operadores de metralhadoras fixas nas trincheiras. Da esquerda
para a direita uma protecção corporal, protecção facial e reforço de
protecção para o capacete Modelo 1916. Em todos artefactos faltam as
tiras de fixação.
Os snipers alemães trabalhavam
isoladamente e tinham autonomia para se colocarem livremente para
posições à sua escolha. Estes também tinham protecção à prova de
bala que utilizavam quando disparava do parapeito da trincheira, o
que inibia a acção dos snipers aliados, já que o armamento standard
não tinham capacidade furar a protecção.
O tiro de sniper era efectuado
normalmente a menos de 180m entre trincheira e por vezes a
distâncias menores quando os snipers se colocavam de forma camuflada
na Terra de Ninguém. No entanto, as opticas alemãs Zeiss, Gerard e
Voigtlander conseguiam proporcionar tiros úteis até 300m. A 180m era
possível um tiro na cabeça e a 300m no corpo10.
Os Snipers
Britânicos
A infantaria britânica era
treinada para conseguir uma cadência de tiro em combate de 15 tiros
por minuto, mas esta eficácia só tinha relevância numa guerra de
movimento. Em contrapartida não existia treino nem especialização
para a utilização de atiradores especiais. Esta falta de treino
colocava os soldados britânicos nas trincheiras em grande
desvantagem perante os alemães.
À falta de treino juntava-se uma
incompreensão da acção dos snipers inimigos o que levava a que
muitos soldados acabados de chegar à primeira linha fossem mortos em
pouco tempo com um tiro na cabeça.
Durante o ano
de 1915 era habitual que um batalhão na primeira linha, mesmo em
zonas sossegadas, chegasse a perder entre 12 a 18 homens por dia
devido a fogo de snipers inimigo11.
Major Hesketh-Prichard,
pelo seu trabalho com os soldados
do CEP foi agraciado pelo Governo Português no final da guerra com a
Ordem de Avis
Entre os
oficiais britânicos que se esforçaram por alterar a situação
destacam-se os majores: Frederick Maurice Crum,
Hesketh Vernon
Hesketh-Prichard (comandante da
1ª Army S.O.S.
School), N.A.Armstrong (comandante da 2ª
Army S.O.S.
School) e Penberthy (comandante da 3ª
Army S.O.S. School).
O Major Hesketh-Prichard verificou que em 1915 os poucos snipers do
exército eram homens que tinham o mínimo conhecimento de como agir e
de calibrar os telescópios das suas armas. Por exemplo a forma como
se expunham no para peito das trincheiras fazia deles um excelente
alvo para os snipers alemães.
As escolas foram fundadas
oficialmente em 1916, tendo para o 1º Exército a
1ª
Army S.O.S. School
ficado instalada em Bethune e a 2ª
Army S.O.S. School
em Acq, e para o 4º Exército a 3ª
Army S.O.S. School
em Bouchon. Mais tarde a 1ª
Army S.O.S. School,
em 1917, passou para o Castelo de Hardelot em Pas-de-Calais12.
Quartel General do 1ª Army
S.O.S. School
No curso de sniper era ministrado durante duas
semanas técnicas de manutenção da arma, detecção de alvos,
preparação de campos de tiro e camuflagem. Também havia um cuidado
especial em dar instrução para observadores de tiro. No final
existia um exame prático e escrito. Para se ser um sniper não
bastava ser um atirador exímio, havia a necessidade de ter uma
capacidade psicológica especial.
Os britânicos também organizaram secções de
snipers, à imagem dos alemães, compostas por 16 soldados um cabo e
um sargento, que também estavam dispensadas de fazer serviço nas
trincheiras e que se podiam posicionar livremente ao longo da linha
de combate. Ao contrário da técnica alemã os snipers britânicos (e
os portugueses que frequentaram a 1ª Army
S.O.S. School) trabalhavam aos pares, sniper mais o observador (scout),
os quais trocavam periodicamente de função para descansar a vista13.
Um último problema era que a munições britânicas
não conseguiam penetrar nas protecções dos snipers alemães. Só a
partir dos finas de 1916 é que passou a existir um número limitado
de munições AP (perfurantes) que os snipers utilizavam pontualmente
contra alvos blindados14.
Não existem estatísticas sobre quantos mortos
foram causados por snipers, mas a tomada de conhecimento que existia
um sniper inimigo na zona era suficiente para criar um efeito
desmoralizador entre as fileiras.