O contexto arqueológico
As inscrições, em particular as
registadas nos túmulos, dão-nos a possibilidade de estudar o mundo
antigo, os laços familiares, questões económicas e tantos outros temas
relacionados com a vida privada e pública da civilização romana. Este
tipo de inscrições é sem dúvida o mais representativo das fontes epigráficas.(1)
Estas permitem a continuidade e
manutenção da memória dos defuntos, pelo relembrar dos seus nomes, um
homem mantém-se vivo enquanto o seu nome não é esquecido.
O recordar dos mortos era uma
preocupação constante da vida social romana, levando a edificar
necrópoles ao longo das estradas e nas periferias das cidades, atraindo
o olhar de quem passava e tornando-o leitor do nome e de algumas
circunstâncias da sua vida. Mas os monumentos funerários também visavam
eternizar a posição social do indivíduo. No mundo romano não foram
edificados muitos monumentos funerários colectivos.
A presença do além
Hoje, em Portugal, os cemitérios
constituem a grande maioria dos espaços de abrigo e culto dos mortos.
Estão escondidos por detrás de grandes muros e dissimulados por árvores,
abrindo para culto durante algumas horas fixas.(2)
O mundo romano oferecia uma outra
visão do mundo dos mortos, ao longo das vias de comunicação, à vista de
todos, a paisagem do perímetro urbano caracterizava-se pela presença de
necrópoles colectivas e túmulos individuais ou familiares. O universo
dos mortos estava misturado com o dos vivos e acreditavam na existência
de laços entre eles.
O defuntos não eram discretos,
dirigiam-se mesmo aos vivos. "Viajante, lê isto, que a terra te seja
leve" ou "Faz com que eu reviva pela tua voz, por ti, ó desconhecido que
lês estas linhas". Estas interpelações provam a preocupação de
coexistência entre os dois mundos, que não se ignoravam e que até
dialogavam.
As construções que se encontravam nas
entradas das cidades anunciavam a capacidade económica da população
citadina. Certos túmulos tinham a aparência de casas, outros lembravam
as estátuas honorificas com grandes pedestais que celebravam as acções
notáveis em vida. Era uma arte funerária muito desenvolvida, que
preservava, para a eternidade, o reflexo do estatuto social e económico
do defunto.
Por vezes, a decoração dos túmulos
incluía elementos de decoração que descreviam a suas actividades
comerciais ou industriais, o modo de vida a sua riqueza. Em conjunto com
as inscrições fornecem-nos muita informação sobre o defunto.
Os tipos de monumentos funerários
Inicialmente, as cinzas do morto eram
colocadas numa urna funerária, frequente sem qualquer inscrição. Junto à
via Appia foi descoberto em 1732 uma dessas urnas, com sete
centímetros de altura, com uma inscrição em forma de graffiti, datável
da segunda metade do século II da nossa era.
Rome, CIL, VI, 8279
Dercina Iuanuliaria / idibus Nouembr(ibus)
"Dercina Iuanularia (morreu) no dia de ides de Novembro"
O sarcófago é um elemento característico da inumação. Os
seus materiais são diversos, madeira, terra cota ou ferro, quando se
destinava a ser colocado sob a terra. Ao contrário, quando se destinava
a ser visto, ele se transformava num verdadeiro monumento, em pedra, em
mármore, mais ou menos ricamente decorado.
A conservação da memória
É interessante verificar a comunicação entre o além e o
presente, e as mensagens que os defuntos nos transmitem. Por exemplo, a
construção de um túmulo para um militar morto na expedição de Varo
contra os Germanos 53 d.C. e na qual foi morto. Não tendo sido recolhido
o corpo o seu irmão, construí-lhe o monumento fúnebre, na esperança de
um dia os seu corpo aí repousar.
CIL, XIII, 8648
M(arco) Caelio T(iti) f(ilio) Lem(onia tribu) Bon(onia)
/ (centurioni) Leg(ionis) XIIX, ann(orum) LIII, /[ce]cidit bello Variano.
Ossa / [hic] inferre licebit. P(ublius) Caelius T(iti) f(ilius) /
Lem(onia tribu) frater fecit.
"A Marcus Celius, filho de Tito, da tribo Lemonia, de
Bolonha, centurião da Legião XVIII, no ano 53. Caiu na expedição militar
de Varo. Que os seus ossos sejam trazidos para aqui. Fez (este tumúlo)
o irmão Publius Celio, filho de Tito, da tribo Lemonia.
A presença do corpo não era imperativa, a memória podia
continuar a ser cultivada.
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