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Raid Alemão - 14 de Agosto de 1917

fonte:http://1914-1918.invisionzone.com/forums/index.php?%2Ftopic%2F241772-tunnellers-captured-in-portuguese-sector-14th-august-1917%2F#comment-2429809

Existem pelo menos as seguintes fotos captadas pelos alemães à chegada dos prisioneiros portugueses e britânicos à retaguarda alemã no dia 14 de Agosto de 1917.

Na primeira fotografia os prisioneiros portugueses ainda se encontram nas camionetas de transporte, assim como alemães do RI 431 que efectuaram o raid naquela madrugada. Na segunda fotografia para além de se observar os prisioneiros portugueses de costas é identificável um soldado britânico do corpo de mineiros (tunneller) à direita dos soldados portugueses. Existe uma referência no livro Fighting the Kaiser's War - The Saxons in Flanders 1914-918, específica aos acontecimentos de 14 de Agosto de 1917 e a estes prisioneiros tomados no raide em Neuve-Chapelle.

Durante a madrugada de 14 de Agosto de 1917, os alemães efectuaram um Raid sobre o ponto de separação dos subsectores esquerdo de Neuve Chapelle e direito de Fauquissart. O Raid alemão foi executado por homens da Divisão 219 da Saxónia em coordenação com homens da 1ª Divisão de Reserva da Bavária. O grupo alemão tinha homens do RI 391 e do RI 341 e ainda eram acompanhados por elementos de engenharia de demolição .


O ataque alemão era protegido por uma caixa de 500m de frente por 200 m de profundidade.  O ataque foi comandado pelo Tenente Arthur Vorwerg (RI 431) que liderou o assalto, pelo Tenente Otto Hamann (RI 431) que fez a protecção do flanco direito. Estes oficiais receberam a condecoração Ritterkreuz des Militar St. Heinrichs Ordens, pelo sucesso da operação.


Depois de um violento bombardeamento sobre a frente da 1ª Divisão os alemães efectuaram um ataque centrado na junção dos sectores Neuve Chapelle com Fauquissart, com o efectivo de um batalhão (500 homens) formados em duas colunas.


Uma das colunas foi repelida pelo Batalhão de Infantaria 15, de Tomar, mas a outra que avançava em direcção a Vielle Chapelle onde se encontrava o BI 35 conseguiu penetrar e ocupar a Linha A e B.

 

Durante o ataque os alemães fizeram muitos prisioneiros, entre eles um britânico do regimento de engenharia de minas (RE 251), mas quando já retiravam para a suas linhas o Alferes Hernâni Cidade contra-atacou libertando diversos soldados portugueses que estavam a ser levados pelos alemães. 

O episódio ocorreu da seguinte forma: quando o inimigo já retirava para as suas linhas, atravessando a "terra de ninguém", o Alferes Hernâni Cidade saltou do parapeito da "Linha B" com mais três soldados e lançou-se sobre a escolta que levava os  prisioneiros portugueses em direcção das linhas alemãs. Esses prisioneiros portugueses reagiram, lutaram e venceram, e pelas 6 horas da manhã o Alferes Hernâni Cidade e os três soldados regressaram com o grupo de prisioneiros portuguesas libertados às linhas portuguesas.

 

Hernâni Cidade - Alferes do BI 35 - Coimbra

Segundo o processo militar de Hernâni Cidade, ele partiu de Lisboa em 17 de Abril de 1917, integrado no Regimento de Infantaria nº 35, 2ª companhia.


Em 11 de Agosto de 1917 foi louvado pela ordem de serviço pela muita coragem demonstrada na noite de 12 de Julho, quando comandou uma patrulha de reconhecimento para que se tinha oferecido voluntariamente, tendo conseguido obter informações acerca das linhas inimigas. No dia seguinte, voltou a fazer nova patrulha de reconhecimento, tendo demonstrado “muita coragem, audácia e sangue frio”. Louvado pela “bravura e abnegação, com que socorreu debaixo de fogo de bombardeamento um praça do Batalhão de Infantaria nº 7”, por Ordem do Exército de 9 de Agosto de 1917. Foi debaixo de fogo à terra de ninguém buscar um soldado alemão ferido que, como forma de agradecimento, lhe ofereceu o cinturão e o sabre, que Hernâni Cidade conservou cuidadosamente em sua casa durante o resto da vida.


Foi condecorado com a Cruz de Guerra, de terceira classe, em 5 de Novembro desse ano, publicado na Ordem do Exército (2ª série) de 15 desse mês. Foi colocado como comandante do batalhão de metralhadoras ligeiras em 18 de Setembro. Obteve licença de campanha por 53 dias desde 26 de Janeiro de 1918, apresentou-se a 20 de Março. Desapareceu a 9 de Abril de 1918, durante a Batalha de La Lys. Feito prisioneiro pelos alemães, foi enviado para Strasburg e mais tarde para Bressen-Port-Roggendorf-Nechlemburg, tendo ficado prisioneiro por 9 meses. Durante esse período aprofundou o seu conhecimento da língua e da cultura alemã, além disso organizou aos domingos conferências sobre Literatura Portuguesa. A primeira, terá sido foi subordinada a “Camões, Poeta Europeu” a que se seguiram outras dentro do mesmo âmbito temático. Foi esta iniciativa que terá suscitado em Hernâni Cidade o desejo por seguir uma carreira académica. Foi presente ao Quartel-General em 27 de Janeiro de 1919, vindo do Paiol do Exército. Em 1 de Fevereiro de 1919 seguiu para Portugal, por via terrestre, e foi abatido ao serviço em 8 desse mês. Ascendeu à patente de tenente em 31 de Março de 1919, por Ordem do Exército nº 10.


Lista de Prisioneiros Capturados a 16 de Agosto

Nota: Nos registos da Cruz Vermelha Portuguesa encontram-se identificados 61 militares: um oficial, dois sargentos, um cabo e 57 praças (AHCVP - "Prisioneiros de Guerra Portugueses, 1917-1918, 1º Volume". p.11-30).

Na lista de prisioneiros consta a identificação das seguintes unidades:

As diferentes localizações referidas nos documentos dos campos de prisioneiros, estão relacionadas com o facto do registo ter sido efectuado em locais diferentes. Assim os prisioneiros que foram enviados a cidadela de Lille e o campo de DÜLMEN, foram registados como tendo sido capturados em Vieille Chapelle, o que corresponde à verdade uma vez que o Batalhão de Infantaria 35 defendia essa localização.


No caso do registo do Tenente José da Conceição Nogueira Rosas, BI 35, 3C, foi indicado o sector em que a sua companhia pertencia e não a localização onde se encontrava. Este registo foi feito em KARLSRUHE.


O registo de captura, muito genérico de "West Front" foi efectuado em LANGENSALZA e pode corresponder à incapacidade das praças portuguesas indicarem a sua localização quando capturados, uma vez que conseguiram indicar outros dados como a data de nascimento, naturalidade e morada em Portugal.


No campo de prisioneiros de LIMBURG os portugueses foram identificados como provenientes do "Front" e registados como capturados em La Bassée.

Existe ainda uma outra lista que indica quais os oito prisioneiros do dia 14 de Agosto de 1017 que ainda estavam hospitalizados a 24 de Setembro de 1917 (Lazarett-List).

Medalha de serviço recebida por Hernani Cidade. Filme guardado no IWM 129 FIL, the PRESIDENT OF PORTUGAL IN FRANCE [Main] http://film.iwmcollections.org.uk/record/index/47213

Bibliografia


Almeida, Humberto de (1919), Memórias dum Expedicionário a França, com a 2ª Brigada d'Infantaria, 1917-1918, Porto, Tipografia Sequeira.


Amaral, Ferreira do (1923), A Batalha do Lys, A Batalha D'Armentières ou o 9 de Abril, Lisboa, Tipografia do Comércio


Martins, Ferreira (1934a), Portugal na Grande Guerra, Vol. I, Lisboa, Empresa Editorial Ática


Martins, Ferreira (1934b), Portugal na Grande Guerra, Vol. II, Lisboa, Empresa Editorial Ática


Godinho, Vitorino Magalhães (2010), Correspondência da Grande Guerra, Coronel Manuel Maia Magalhães, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda S.A.,


Arquivo Histórico da Cruz Vermelha Portuguesa - AHCVP, conjunto de três volumes encadernados com a relação dos prisioneiros de guerra portugueses internados em campos de prisioneiros na Alemanha. Esta relação foi efectuada pelos alemães e entregue à Cruz Vermelha Internacional, em Genebra,  em 1919.


Hernâni António Cidade (Alferes, 35º Regimento de Infantaria, Comandante de Companhia)

  

Refere o Capitão-médico Jaime Cortesão, em 10 de Novembro de 1917, que "... Vagueio com o meu camarada médico, por entre a turba. Ali perto, a comandar uma companhia, está o Alferes Hernâni Cidade, herói do 14 d'Agosto e um dos poucos que já tem a Cruz de Guerra." O Alferes Hernâni Cidade foi mobilizado em 26 de Outubro de 1916, como cabo, porque sabia ler e escrever. Da sua firmeza e sentido do dever veio a distinguir-se, sobretudo pela sua coragem ao serviço da dignidade humana: em 14 de Agosto de 1917, apenas com três soldados, atravessou "a terra de ninguém", debaixo de fogo, e foi às linhas alemãs buscar os soldados portugueses feitos prisioneiros num raid inimigo.  Ainda, debaixo de fogo "na terra de ninguém", foi buscar um alemão ferido que o traz para as trincheiras portuguesas. Com este acto foi-lhe atribuída a Cruz de Guerra.


O Alferes Humberto de Almeida nas suas memórias conta-nos o episódio de 14 de Agosto de 1917, que levou à condecoração do Alferes Hernâni Cidade com a Cruz de Guerra. Na madrugada os alemães iniciaram um intenso bombardeamento contínuo do subsector de Neuve-Cahpelle ocupado pelo BI 35, que indicava que iriam iniciar um ataque às nossas linhas. Nesse dia utilizaram inclusive um gás diferente.  Iniciado o ataque foi lançado o SOS, very-light vermelho, que foi respondido com fogo defensivo por parte da nossa artilharia. Os alemães que nos atacaram eram tropas frescas e descansadas que vinham da Rússia que com uma extrema violência conseguiram chegar até à 2ª Linha, onde foram travados. Já retiravam através da "terra de ninguém" para as suas linhas com prisioneiros do BI 35, quando o Alferes Hernâni Cidade saltou da trincheira acompanhado por três soldados e lançaram-se sobre alemães em retirada com os prisioneiros portugueses, que ao verem o Alferes os soldados portugueses prisioneiros atacaram a escolta alemã e prenderam-nos e levando-os agora como prisioneiros para as nossas linhas. Com este acto o Alferes Hernâni Cidade transformou aquilo que poderia ter sido uma derrota numa grandiosa vitória ao libertar perto de uma centena de portugueses (Almeida, 1919:69-74).


Numa das suas cartas à família o Capitão Manuel Maia Magalhães, oficial de Cavalaria incorporado no Estado-maior da Base do CEP, indica que "...na noite de 13 para 14 [de Agosto de 1917] os alemães fizeram um forte ataque às nossas trincheiras, com tropas numerosas e especiais para o assalto, mas foram completamente repelidas morrendo muitos d'eles, entre os quais um capitão, um tenente e um alferes alemães. Entre os nossos tornou-se especialmente notável um alferes de infantaria, miliciano, [Hernâni Cidade] que só com 10 homens se atirou para cima de um grande grupo de alemães que levavam alguns homens nossos prisioneiros, e por tal forma falou aos nossos homens e atacou os alemães que salvou todos os nossos prisioneiros, prendeu 6 alemães, matou o tenente e o alferes alemães, e pôs os outros em fuga. E dizem por aí que os milicianos não prestam." (Godinho, 2010:51).