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Entrevista com José Telo

Guerra e outros mitos

Entrevista com António José Telo, por Eduardo Ferraz da Rosa.

Azores Digital, 3 de Junho de 2016.



A recente vinda de António José Telo à ilha Terceira constituiu ocasião para voltarmos a ouvi-lo reflectir (e reflectir com ele) sobre História Político-Militar e Diplomática, Geoestratégia e Defesa, tanto naquilo que nessas áreas está implicado de múltiplas dimensões político-institucionais e socioculturais globais, quanto ao muito que dessas mesmas questões ao âmbito nacional concerne, e em específica medida mais interessa aos Açores (por quanto historicamente nos marcou, diz respeito e continuará a condicionar).


– Professor da Academia Militar, António José Telo veio a Angra do Heroísmo, a convite do Instituto Histórico da Ilha Terceira, proferir uma Conferência sobre os mitos da Guerra de 1914-18, tendo exposto e analisado, com base em fontes documentais descuradas e segundo linhas de revisão e interpretação alternativas às usualmente seguidas, o contexto, factores determinantes e respectivas motivações reais da participação portuguesa na I Guerra (assim e agora propositadamente desmistificada), problemática já antes abordada pelo competente e distinto professor da Academia Militar, embora a partir de arquivos mais cingidos, tal como lemos no seu sugestivo trabalho “Um Enquadramento Global para uma Guerra Global”, publicado na Revista Nação e Defesa do IDN.


Nesse texto, o conceituado académico e investigador, explanando a abordagem que parcialmente retomou em Angra, escrevia que a beligerância portuguesa na Primeira Guerra “tem fortes traços de originalidade e, sem os entender em termos gerais, não é possível compreender nenhum aspecto particular, nomeadamente o enquadramento global que conduz Portugal para a guerra.

“ (...) Portugal é o único poder que força a beligerância, não para obter vantagens e ganhos materiais, mas para se defender. Defender-se contra uma agressão do inimigo? Não! Defender-se contra os inconfessáveis desejos dos aliados (Grã-Bretanha, Bélgica e África do Sul) ou dos neutros (Espanha) e, sobretudo, defender-se internamente. A beligerância forçada foi o caminho que um pequeno grupo de republicanos fundamentalmente ligados ao Partido Democrático, que concebido a República como um regime radical, violento e intolerante, encontrou para se perpetuar no poder”.


– E após uma detalhada análise das múltiplas linhas de força e de interesse, clivagens e influências internas e externas, que se debateram no respeitante à participação portuguesa na Guerra, António José Telo fechava ali nomeadamente com o seguinte:

“Como conclusão final pode-se afirmar que esta é a originalidade portuguesa: uma guerra civil que se mistura com a guerra internacional, uma posição defensiva onde interno e externo são inseparáveis, uma política de pedir o impossível a Forças Armadas que foram aniquiladas na sua capacidade operacional, um papel importante no equilíbrio entre os dois principais Aliados, um papel importante no despertar dos EUA, uma densa cortina de fumo onde se mente conscientemente à opinião pública pedindo a cumplicidade relutante do aliado na mentira, uma gigantesca divisão dos militares, chamados a lutar por uma política que muitos consideram ser um desastre nacional, inseridos numa máquina desorganizada, sem o apoio efectivo do seu aliado e mesmo sem a sua compreensão. É preciso acrescentar que a cortina de fumo se prolonga muito para além da guerra, pois as forças que estavam por detrás dos “guerristas” entendem muito bem que a sua única hipótese é insistir na Nação e Defesa 32 Um Enquadramento Global para uma Guerra Global mentira inicial, reforçar a ideia que Portugal fez um grande esforço nacional para responder ao pedido do seu “Secular Aliado”, quando a realidade é justamente o contrário. É uma cortina de fumo que ainda hoje continua e que torna difícil e mesmo perigoso, explicar o que realmente aconteceu. Essa é a missão dos historiadores, preocupados em entender para além das aparências; o resto é a missão, não dos políticos, que todos são, mas dos maus políticos, que muitos há. Para quem conhecer Portugal, não é difícil saber quem vai prevalecer. Ou será que alguma coisa de essencial mudou?”.


– Todavia não posso deixar de mais registar hoje que António José Telo durante a sua permanência na Terceira também concedeu uma marcante e pertinente Entrevista aos jornalistas Armando Mendes e Luciano Barcelos da RDP/RTP-A, na qual tornou a deixar essenciais ponderações sobre o actual quadro geopolítico (com relevo para o Índico e o Pacífico!) e o reposicionamento das ilhas atlânticas neste novo contexto geoestratégico global, europeu, nacional e regional, para além de ter voltado a acentuar, com toda a razão, a necessidade de um imprescindível acompanhamento permanente, cogitação aprofundada e produção crítica e prospectiva a partir dos Açores...


– Ou não se continuasse, como em 1993, a constatar que “raramente há consenso em Portugal sobre qual a sua estratégia nacional”, que “raramente existe sequer uma elite que elabore um pensamento coerente nestes termos”, que “só em raros casos podemos dizer que um grupo político particular tem uma visão elaborada sobre a estratégia nacional do país”, e que o que há, isso sim, é “uma longa tradição de não discutir em termos realistas estes assuntos e de ignorar a forma como as grandes potências encaram Portugal”!






Esta entrevista encontra-se no site do Jornal Azores Digital


http://www.azoresdigital.com/colunistas/ver.php?id=3152


António José Telo é professor catedrático da Academia Militar, doutorado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com livros publicados sobre História Militar e é o segundo civil a dirigir o IDN, depois do professor catedrático Nuno Severiano Teixeira.


Coordenador do Mestrado "História Militar" na Academia Militar, António José Telo tem vários livros publicados como "Portugal e a NATO - o reencontro da tradição atlântica", "Os Açores e o Controlo Atlântico" e "História Contemporânea de Portugal - do 25 de Abril à Actualidade", entre muitos outros.