Cemitérios
Bibliografia
Portela, Margarida, "O Cemitério militar português de Richebourg i'Avoué", A Guerra de 1914-1918, www.portugal1914.org
Correia, Sílvia (2009), "Mamória da I Guerra Mundial", in Fernado Rosas; Fernanda Rollo (org.), História da I República Portuguesa, 2ª Ed. (2010), Lisboa, Edições Tinta-da-China, pp. 349-370.
PT/AHM, 1.ª divisão, 35.ª secção, caixa 1401 – Relação de cemitérios estrangeiros com sepulturas portuguesas de guerra. Lisboa, 12 de Agosto de 1937, p. 1-7.
Memorial aos Mortos da Grande Guerra. http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Paginas/Cemiterios.aspx
Rosas, Fernando e Rollo, Maria Fernanda, coordenação(2010), História da Primeira República Portuguesa, 2ªed., Lisboa, Tinta da China. (ISBN: 978-972-8955-98-4)
Winter, Jay and Antoine Prost, (2005), The Great War in History, Debates and Controversies, 1914 to the Present, Cambridge, 1ª ed., Cambridge Universitu Press, (ISBN: 978-0-521-85083-4)
Cortesão, Jaime (1919), Memórias da Grande Guerra, (1916-1919), Porto, 3ª ed., Edição da Renascença Portuguesa.
Catroga, Fernando – O Céu da Memória. Cemitério romântico e culto cívico dos mortos. Coimbra: Minerva, 1999.
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Poucos dias após o fim da guerra que, em 24 de Novembro de 1918, é criada a Comissão para os Cemitérios Militares, presidida pelo General Castelnau, também um enlutado. A ideia foi de criar reagrupar os soldados mortos que se encontravam dispersos por cemitérios e e de os reunir em cemitérios militares. Para isso o governo decretou que durante um período de três anos não poderia haver exumações e enterros privados. No entanto a questão não foi pacífica mesmo ao nível das chefias militares, variando entre a posição oficial da Comissão e a ideia que os soldados mortos deveriam ficar onde caíram em combate, numa nostalgia mítica de que eles morreram por aquela terra, que esta ficou sacralizada pelo seu sacrifício e que um dia o local se tornaria uma verde floresta sagrada, local de peregrinação para todos.
A ideia de criar cemitérios militares não foi o que encontrou maior oposição, mas sim os três anos de espera, que levantou o nível emocional a situação de vir a repetir a "crueldade" de um novo funeral, passado esse tempo.
O debate manteve-se empolgado sendo defendido por uns que que consideravam que os soldados deveriam ficar onde combateram, junto dos seus camaradas, evocando a continuidade da batalha para a eternidade, como um exército de heróis adormecidos e com a intenção criar um local de homenagem, que deveria de ser visitado anualmente, convictos de que seria preferível assim do que dispersar os corpos dos soldados caídos por cemitérios locais, onde passada uma geração seriam esquecidos. Por outro lado, era defendido que o dever já tinha sido cumprido e que era o momento dos soldados caídos regressaram a casa, "desmobilização dos mortos", para descansarem junto dos seus antepassados e para que não ficassem eternamente condenados ao tormento da guerra.
Para a República francesa, que uma década antes tinha cortado relações com a Igreja Católica, a criação de cemitérios militares era entendido como a criação de monumentos cívicos sacralizados pelo sacrifício dos soldados cidadãos, enquanto que a "desmobilização dos mortos" era vista como um movimento católico. Houve ainda algumas referências a que a intransigência em não permitir o regresso dos mortos estaria na incompreensão de alguns funcionários do Ministério da Guerra que, sendo judeus, não compreendiam o culto dos mortos.
No entanto, para aqueles com meios o regresso dos parentes mortos continuou por via ilegal, enfurecendo os militares e a população pobre. Em 28 de Setembro de 1920, o Governo francês desistiu da opção única de cemitérios militares e permitiu que as famílias reclamassem os seus parentes, ficando as despesas por conta do Estado. Em 1921, 39.000 mortos foram entregues às famílias e em 1922 foram efectuados 265.425 pedidos de transferência. No Verão de 1922, cerca de 300.000 mortos tinham regressado a casa e 700.000 mortos do 1.000.0000 de mortos franceses identificados ficaram em cemitérios militares. Em 1923, os responsáveis militares pelo processo de exumação e entrega dos corpos aos familiares deram por terminado o trabalho.
Nem tudo foi fácil, ainda houve uma disputa entre quem tinha direito de reclamar os corpos, os pais ou as viúvas. Os pais justificavam a sua pretensão pela ligação familiar que não podia ser interrompida, pelo que tinham direito de precedência e as viúvas o contrário. Os país ganharam.
Os cemitérios militares ficaram disseminados pela França, Bélgica, África e Médio Oriente, mas principalmente na zona da Flandres. Os alemães que perderam a guerra não tiveram direito a recolher os seus mortos, os americanos recolheram todos os seus mortos e leram-nos para casa e os ingleses, considerando que não era justo que os não identificados ficassem em França decidiu que nenhum regressaria. A Inglaterra em vez do gesto simbólico de fazer regressar os soldados caídos, em 1920 fez enterrar um soldado desconhecido na Abadia de Westminster em Londres e um outro debaixo do Arco do Triunfo em Paris.
Em 1921 idêntica cerimónia aconteceu na América, Itália, Bélgica e Portugal. Posteriormente outros países seguiram o procedimento criando um túmulo nacional que representa os seus soldados desconhecidos, como no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia.
Esta questão para os alemães foi mais complexa, pois não houve consenso sobre a existência de um local que centraliza-se a memória dos soldados caídos em combate, tanto por não haver um consenso nacional sobre a origem da derrota, como a dificuldade de determinar o local para a colocação do soldado desconhecido alemão, Berlim, Tannanberg ou Munique.
A comemoração da memória de guerra foi uma preocupação de todos logo após o fim do conflito. A necessidade de trazer os mortos para casa e de os colocar num local simbólico também era uma das primeiras preocupações. Mas o caos dos campos de batalha obrigaram a um acção metódica de procura dos mortos, que em muitas situações simplesmente desapareceram dada a violência das explosões (Winter, 2005:15-28).
Mais de metade dos mortos que morreram em acção não ficavam em estado de serem identificados, mesmo a recolha dos restos mortais dispersos pelo campo de batalha, ou mesmo das chapas de identificação, era muito difícil e perigoso.
Cemitérios Militares
Jaime Cortesão nas suas memórias de guerra (3 Março 1918) relata o que viu quando chegou junto da zona proibida, com uma ideia muito concreta: "... a zona de guerra é uma estrada única ladeada de cemitérios...".
Os postes com letreiros vermelhos, junto aos caminhos, a dizer "Danger" eram inúteis, a quantidade de cruzes espalhadas junto aos caminhos eram um sinal mais que suficiente para se perceber o perigo.
Na retaguarda, nos cemitérios civis encontravam-se alguns soldados enterrados em covas térreas e laterais, fora das ruas principais onde se encontravam as campas elegantes e túmulos de família. Aproximando-nos da frente apareciam os cemitérios militares, autenticas campas rasas, com pequenas cruzes todas iguais, numa imagem de formatura e de espírito militar mesmo após a morte. Depois seguem-se os túmulos que se encontram espalhados e que se encontram no local onde o combatente tombou. São campas ao acaso, junto aos caminhos, com as suas cruzes à cabeceira, onde algumas têm o epíteto "desconhecido". São situações onde alguém abriu uma cova e enterrou um cadáver, onde muitas vezes a única identificação é um capacete ou um boné sobre a cruz.
Alguns cemitérios civis, na zona de guerra, foram danificados pela metralha e bombardeamentos até ao nível dos corpos dos cadáveres. Foi o que aconteceu aos cemitérios de Richebourg, St. Waast e Richebourg. Em St. Waast, anteriormente o nome duma aldeia francesa, em 1918, não apresentava uma única casa de pé e o cemitério estava destruído, com as tampas de mármore, as pedras dos epitáfios, os anjos de cálice, as cruzes e as coroas partidas. Tudo estava revolvido, deitado fora, amassado em pedaços e estoiraram os caixões. Com a chuva a ensopar tudo, viam-se os mortos a nadar numa água verde e amarelada.
Os bombardeamentos com projecteis pesados ao caírem pulverizavam tudo, formando grandes poços, que se enchiam de água e pedaços de cadáveres apodrecidos, numa loucura estranha que arranca os mortos ao sossego do túmulo.
Jaime Cortesão sita Padre António Vieira na sua caracterização da guerra: "O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor... até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro." e acrescentou: "...e os próprios mortos nas suas covas não têm seguro o sono eterno."
Em Dixmude houve combates dentro do cemitério. As granadas de artilharia ao rebentarem fizeram saltar para fora dos caixões os mortos desfazendo-os. No fim dos combates haviam soldados feridos com esquírolas de ossos dos mortos.
Existiam cemitérios portugueses espalhados por todo o nossos sector, desde as trincheiras até Calais e Étapies. Onde existia uma ambulância ou um hospital, existia portugueses no cemitério. Em 1918 existiam portugueses enterrados, entre outros locais, em Pont-du-Hem, Le Touret e Vieille Chapelle onde estavam pelo menos duzentos que caíram a combater. Pertencem ao "Batalhão dos Eleitos" que ocupam as trincheiras eternas. As suas feridas sangram ainda e eles continuam a bater-se, batem-se ali para sempre, além da morte, pela sua Pátria (Cortesão, 1919: 149-156).
As Campas na Zona Proibida
Memorial aos Mortos na Grande Guerra
"Em Portugal, a primeira legislação para tratamento dos mortos de guerra portugueses na frente europeia surge em 1917. Procurou-se regulamentar esta situação com a estruturação de um serviço, futuramente denominado Comissão Portuguesa das Sepulturas de Guerra (CPSG), responsável pela identificação, concentração e inumação dos corpos. Face a uma limitação de recursos, exigiu-se da CPSG um esforço acrescido para concentrar os corpos espalhados pelo território da Flandres em cemitérios militares exclusivamente portugueses, criados para tal com a devida e necessária monumentalidade. Na verdade, durante o conflito, os esforços desta comissão debateram-se com as limitações sanitárias e espaciais impostas pelas autoridades francesas, levando a que os corpos ficassem espalhados por vários cemitérios (em 88 cemitérios da Alemanha, 23 da Bélgica; 2 da Espanha; 141 da França; 1 da Holanda e em 3 cemitérios da Inglaterra).
A união entre culto funerário, religioso e patriótico alargou-se aos projectos oficiais dos cemitérios militares, aquém da maior ou menor laicização dos estados empreendedores. A sua projeção, maioritariamente próxima dos locais onde os soldados caíram e face à impossibilidade de repatriamento dos corpos e na procura da sua concentração num único espaço, delineou fenómenos consagrantes de uma nova liturgia civil, assimilados de rituais da tradição Cristã. A Cruz personifica a oblação dos homens em terra e a garantia de salvação eterna pela ressurreição e a Pedra da Lembrança, talhada em forma de altar – o altar da Pátria – passava a ser o centro litúrgico de uma nova religião, onde os soldados mortos são igualmente sacralizados pelo eterno sacrifício colectivo em nome da Nação. Assim, foi criado o único cemitério exclusivamente português – Richebourg l'Avoué.
A acção de CPSG foi extremamente importante, apesar das limitações claras que resultaram da identificação dos corpos ou mesmo da necessidade da permanência destes em cemitérios de território aliado. Dos cerca de 2086 mortos, 206 não foram identificados ou os corpos não foram encontrados. Apenas no final do conflito seria possível a concentração, não total, uma vez que foi organizado um sector de 44 campas no cemitério de Boulogne-sur-Mer e de 7 campas em Antuérpia, mas da maioria dos corpos num único cemitério militar exclusivamente português, Richebourg l'Avoué, com 1831 mortos, dos quais 238 são desconhecidos.
Em território português, os cemitérios militares exclusivamente dedicados aos combatentes mortos na I Guerra Mundial são inexistentes, mesmo a criação de talhões especialmente dedicados a estes mortos são precários e alguns sem qualquer formatação especial, igualável àqueles traçados de origem que apareceram por toda a Europa no pós-guerra.
Na verdade, o repatriamento dos corpos seria excepcional. Há, no entanto, um empenho de algumas entidades locais na criação de espaços nos cemitérios locais exclusivamente destinados aos filhos da Pátria que, maioritariamente com o apoio, incentivo e patrocínio da Liga dos Combatentes da Grande Guerra (LCGG), arquitectados à imagem dos cemitérios militares europeus com uma harmonia regular e uniformização das lápides brancas que comportavam apenas a identificação e a cruz de guerra. Os combatentes depositados nestes lugares eram essencialmente, aqueles que haviam perecido em Portugal e que, não raras vezes, devido à pobreza em que se encontravam, o funeral e talhão era providenciado pela LCGG.
A impossibilidade de repatriamento dos corpos e a necessidade de abstracção inerente à morte de massa exigiu a criação de símbolos representativos que legitimassem o culto e, acima de tudo, o esforço de guerra. A ausência do peso aniquilador da massa de mortos em grandes cemitérios militares em Portugal, à parte as questões inerentes ao quantitativo de soldados portugueses mortos, tem uma carga profunda na forma como a sociedade e os dirigentes da I República lidam com as vítimas da guerra e, acima de tudo, na delineação da memória da I Guerra Mundial em Portugal."
Fonte: Silvia Correia, AHM - Arquivo Histórico Militar, 2014, http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Paginas/Cemiterios.aspx (consultado em 2019/05/22).
Esta informação foi obtida como anteriormente indicado no site "Memorial Virtual". Agradeço a partilha de informação da autora Doutora Sílvia Correia e para mais detalhe sugiro a consulta da sua tese de doutoramento "Políticas da Memória da I Guerra Mundial em Portugal 1918-1933", em https://run.unl.pt/handle/10362/5811
A criação de cemitérios para os soldados franceses mortos em combate foi uma questão complicada. De início começaram por utilizar espaços em cemitérios civis junto à zona de guerra, mas colocou-se de imediato a questão do espaço ocupado e entidades administrativas locais começaram a pedir pediam contrapartidas. Os mortos na zona de combate eram enterrados nos cemitérios civis locais, em cemitérios improvisados junto à zona de combate, e os que morriam nos hospitais atrás das linhas de combate eram enviados para cemitérios nas localidades de origem. Esta situação não foi resolvida até ao final da guerra, o que implicou uma distribuição caótica dos mortos.
Esta caos levou a que o povo enlutado exigisse ao governo que permitisse levar os seus familiares para casa, para poderem enterrar os corpos nos seus cemitérios locais. Mas esta situação já se tinha posto desde Outubro de 1914, tendo durante a guerra o governo negado as respectivas autorizações.
Outra situação que se colocou foi dos familiares andarem clandestinos pelos cemitérios e zonas de combate à procura dos seus filhos, numa tentativa desesperada de identificar as campas. No entanto, existiam formas de "contornar" as restrições e exumar e levar o corpo do familiar morto de volta para casa a troco de elevadas quantias. Este tipo de actividade prolongou-se para além da data do Armistício.
Jaime Cortesão nas suas memórias conta que teve conhecimento de uma francesa, que morava em Senechal Farm, em 1918, quando soube que o marido morto a combater estava num certo cemitério militar, foi lá, fê-lo desenterrar e depois trouxe-o consigo (Cortesão, 1919:152).
Foto: Arnaldo Garcez