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Campos de Prisioneiros

Bibliografia


SOUSA, João Francisco de (1939), Cadernos Coloniais, Infantaria 17 em África, Lisboa, Edições Cosmos.


MONTEIRO, Henrique Pires (1941), A Guarnição Militar de Beja e seus Feitos, Beja, Minerva Comercial Carlos Marques & Cª. Lda.


CASIMIRO, Augusto (1922), Naulila, Lisboa, Seara Nova, Anuário do Brasil.


SANTOS, Gil Manuel Morgado dos; Santos (2008), De Chaves a Copenhaga, A Saga de um Combatente, Lisboa, Prefácio.


Campo de Prisioneiros de Windhoek (África Alemã do Sudoeste)

Os militares europeus aprisionados em Angola, foram-no quase todos em resultado do combate de Naulila, em 18 de Dezembro de 1914. Os 34 prisioneiros foram transportados para o campo de prisioneiros de guerra em Windhoek, partilhado o cativeiro com os soldados sul africanos. Tal como em qualquer outro campo as condições materiais e alimentares eram muito deficientes. Windhoek era a capital administrativa da África Alemã do Sudoeste


A imprensa britânica publicou na época noticias de maus tratos físicos por parte dos alemães, mas a informação foi posteriormente desmentida pelos próprios prisioneiros sul africanos após a libertação. Existia sim um problema racial nos brancos sul africanos por estarem a ser guardados por militares indígenas negros.  


Os prisioneiros portugueses foram posteriormente deslocados para a localidade de Okalandge, a norte de Windhoek, e de seguida para a localidade de Tsumes, onde se encontravam quando da rendição das forças militares alemãs da África Alemã do Sudoeste se rendem ao General Botha, comandante em chefe das forças da União Sul-Africana, em 9 de Julho de 1915. A 15 de Julho de 1915 todos os prisioneiros foram libertados (Arrifes, 2006:212-214).


Não há registo de prisioneiros indígenas, já que os alemães tendiam a mata-los no campo de batalha e aos carregadores reutilizados no seu exército.

Ernesto Moreira dos Santo (Soldado de Infantaria - 11ª Companhia do Batalhão de Infantaria 14 - Viseu)


Nas suas memórias indica que em Naulila foram aprisionados 3 oficias, 1 sargento e 34 soldados no dia 18 de Dezembro de 1914 e que todos os Landins foram enforcados. Os prisioneiros são levados para África Alemã em duas colunas: uma onde estão dois oficiais, Tenente António Rodrigues Marques e o Alferes Andrade, com mais 16 praças e outra com o Tenente Aragão (Cavalaria - Dragões), o Sargento Marques (Artilharia) e mais 18 soldados, entre os quais 4 moribundos.


O Soldado Ernesto dos Santos seguia na coluna de prisioneiros onde estava o Tenente Aragão, na sua deslocação de Angola para a Damaralândia. O primeiro problema foi a alimentação. Até chegar a Okalusi levaram 4 dias e noites de caminhada, num total de 500 km.


Aí ficaram durante 19 dias a descansar numa missão religiosa finlandesa, onde foi sepultado um dos 4 prisioneiros que se encontrava gravemente ferido.  Mais 10 dias de marcha até Okankuejo, onde descansaram durante 4 dias. Uma última marcha para Outjô, onde existia um campo de prisioneiros para ingleses, e após a identificação e efectuada a selecção, uns foram para o campo de prisioneiros para Sul Africanos em Windhoek e outros para o hospital local.


Em Fevereiro de 1915 os portugueses que se encontravam no campo de prisioneiros para Sul Africanos, em Windhoek, foram enviados para Norte para o campo de prisioneiros para portugueses de Octávy Fontayne, em Okalandge, que ficava a cerca de 200 Km. Aqui encontraram os prisioneiros portugueses que tinham seguido na outra coluna, a do Tenente António Rodrigues Marques e o Alferes Andrade. À data tinham morrido mais 2 prisioneiros (soldados), mas tinham chegado mais prisioneiros vindos dos postos de Mucusso e de Dirico.


Do tratamento dado pelos alemães aos prisioneiros portugueses, Ernesto dos Santos não apresenta uma visão negativa, tanto pelo tratamento médico oferecido, como pela indicação da consternação como os civis alemães viram as condições em que chegaram os soldados portugueses ao campo, e é, ainda, de realçar a atitude de respeito dos oficiais alemães perante os oficiais portugueses. Os soldados foram obrigados a trabalhar e eram alvo da disciplina militar alemã.  A partir de Fevereiro de 1915, os alemães começaram a abonar os oficiais portugueses prisioneiros com um soldo mensal.


Posteriormente os prisioneiros portugueses foram transferidos para Okalandge, onde se mantiveram entre meados de Fevereiro e meados de Abril, local onde se manteve os problemas de carência alimentar. O tratamento dos guardas em relação aos prisioneiros melhorou, após Fevereiro de 1915, devido ao trabalho do Ministro dos Negócios Estrangeiros português que visitou a Embaixada da Alemanha, quando do aniversário do Kaiser, mas em Maio, com as alteração do Governo nacional as relações com a Alemanha voltaram a esfriar e a disciplina no campo de prisioneiros apertou.  No entanto, Ernesto dos Santos acabou por ser convidado para trabalhar na cozinha, o que lhe permitiu não passar mais fome, como até desviar alimentos e condimentos para os seus camaradas do campo. É de referir mais uma vez que os alemães o trataram bem.


O número total de portugueses internados no campo de prisioneiros de Octávy Fontayne, ascendia a perto de 50. Os prisioneiros organizaram uma comissão de 5 elementos para contacto com as autoridades alemãs e também tinham organizado um grupo de trabalho dedicado a entretenimento, que incluía um orfeão. A partir de uma certa data os prisioneiros passaram a ter acesso à cantina militar alemã e a poder comprar mantimentos dentro de um rol pré estabelecido. Os praças recebiam um marco por dia de trabalho.


Os portugueses foram depois transferidos do campo de prisioneiros de Octávy Fontayne, para um em Tsumeb, ainda mais a Norte. O trabalho exigido aos prisioneiros era efectuado junto do povoado e não a muita distância do campo. Foi com surpresa que os portugueses foram libertados por tropas sul africanas e inglesas. Os guardas alemães não ofereceram qualquer resistência e passaram pacificamente à nova situação de prisioneiros.


Os nossos prisioneiros foram transportados com os restantes prisioneiros sul africanos e ingleses, de navio entre a Walfish Bay e Cap Town. Muitos dos prisioneiros portugueses, se não quase todos, tinham sido dados como mortos em Portugal. Da cidade de Cabo, onde foram recebidos pela multidão, que incluía os portugueses aí residentes, e o Cônsul português, Dr. Arriaga, filho do então Presidente da República (1915), foram posteriormente embarcados no vapor "África" para Portugal, tendo feito escala em Moçâmedes, Luanda, Cabo Verde, Madeira. A partir da Madeira o vapor "África" foi escoltado pelo contratorpedeiro "NRP Tejo" até Lisboa (Santos,1957:93-146).


António Rodrigues Marques (Tenente de Infantaria)


Augusto Casimiro no seu livro "Naulila", Capítulo XIII "Depois do Combate" fala-nos sobre os prisioneiros portugueses após o combate de Naulila, através de memórias transmitidas pelo Tenente António Marques. Indica uma atitude hostil por parte dos alemães, muito agressiva contra os homens válidos, mas mais moderada para com os feridos.  


O Tenente António Marques ao tomar conhecimento que os alemães estavam a fuzilar os landins (soldados da 16ª Companhia Expedicionária de Indígenas de Moçambique) interveio em protesto junto dos alemães gritando: "...em todos os exércitos civilizados os soldados combatem quando os mandam! ... O comandante dessas homens sou eu!".  Os alemães, entretanto, continuavam a efectuar o saque das bagagens da coluna portuguesa. Foram mortos pelos alemães nestas circunstâncias  12 landins prisioneiros.


Na retirada que se iniciou logo no dia seguinte, 19 de Dezembro, os alemães utilizaram os prisioneiros como escudos humanos quando faziam a data de água, com medo de serem alvejados por atiradores furtivos. Colocavam os prisioneiros portugueses válidos e ligeiramente feridos, com uma bandeira branca erguida, presos uns aos outros por cordas envoltas aos pescoços, para criar uma cortina de protecção. O tratamento dos feridos portugueses apenas aconteceu a 19 para os mais graves e a 21 para os mais ligeiros.


Os prisioneiros seguiram para Sul em duas colunas, no dia 19 ao fim da tarde, com as restantes tropas alemãs em retirada. Numa coluna seguiram os homens válidos, Alferes Andrade e 35 praças, e na outra seguiram os homens feridos, os tenentes Marques e Aragão, o Sargento de Artilharia António de Sousa e 26 praças, entre os quais os quatro que vieram a falecer. Ficou desaparecido em combate o Alferes Sereno (Casimiro, 1922:189-197).