Grande Guerra 1914-18

 

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A Participação  Portuguesa

Entre o início da República e o final da Grande Guerra 1914-18, Portugal Continental e Ilhas (Açores, Madeira e Cabo Verde) registaram um número constante de habitantes, aproximadamente 6 milhões. A emigração durante a guerra levou quase meio milhão de portugueses, as epidemias de pneumónica, entre 1918 e 1919, levaram cerca de 100.000 indivíduos e a guerra levou cerca de 10.000 homens. Face a estas situações a década de 1910-19 apresentou um crescimento demográfico de menos de 1%.

A população continental vivia quase toda no campo, apenas 20% vivia em cidades. Mesmo assim 50% da população vivia em Lisboa e Porto.  Assim, nos bastidores da Grande Guerra, Portugal centrava-se nos dois pólos urbanos, culturais e políticos (Lisboa e Porto), os quais representavam a face civilizada e moderna de Portugal, porque as restantes cidades não eram mais do que centros rurais. Historiar os acontecimentos políticos desta época não é mais do que escrever a História de Lisboa e do Porto.1    

Das decisões resultantes do Governo, do Parlamento ou dos levantamentos militares, com ou sem apoio da população de Lisboa, Portugal entrou na 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Defrontou a Alemanha em duas frentes de combate: uma na Europa, em França, e outra em África, em Angola e em Moçambique, para o qual mobilizou 146.800 homens: 56.400 para França, 49.100 para África (18.400 Angola e 30.700 Moçambique), 13.000 para guarnecer as Ilhas, Índia e Timor, e 40.000 para defender a Metrópole.  

Na frente africana as hostilidades iniciaram-se em 1914, quase imediatamente ao início do conflito no teatro europeu, e só terminaram em 1918 com o Armistício. Em Angola, as hostilidades ocorreram no Sul entre 1914 e o 1915, envolvendo acções contra os alemães da colónia alemã da Damaralândia, África Alemã do Sudoeste (actual Namíbia) e indígenas revoltosos. Em Moçambique, as hostilidades desenvolveram-se através de conflitos na fronteira norte, junto ao rio Rovuma, entre 1914 e 1918, zona fronteira com a África Alemã Oriental.

Em França, o Corpo Expedicionário Português combateu no teatro de guerra da Flandres, entre 1917 e 1918, mas o fim da nossa "neutralidade europeia" deu-se em 23 de Fevereiro de 1916, quando Portugal executou o arresto de 70 navios alemães e 2 austro-húngaros que se encontravam surtos em portos portos nacionais.  

O fim da guerra para os combatentes deu-se a 11 de Novembro de 1918, mas para os Governos continuou até mais tarde, quando finalmente se deram por assinados os tratados de paz.

 

A Historiografia da Grande Guerra

 

Os anos que nos afastam do conflito permitem edificar várias construções históricas e interpretativas da Grande Guerra. Milhares de documentos foram produzidos, por todo o Mundo, sobre este tema. Muitos documentos descrevem acontecimentos na primeira pessoa, os quais efectivamente transmitem elementos que contribuem para a construção da História, outros descrevem testemunhos observados sobre acontecimentos e factos, que efectivamente constróem a História.

 

1ª Fase - Quando o historiador foi, também, actor ou testemunha (1914 - 1960)

 

Os primeiros documentos foram essencialmente escritos por pessoas que foram simultaneamente actores e historiadores, principalmente militares e diplomatas. Foi o caso dos militares que publicaram as descrições das batalhas em que estiveram envolvidos, defendendo na sua narrativa as suas escolhas estratégicas e a sua reputação. É um primeiro período historiográfico, onde existe ainda um compromisso afectivo ou político com os intervenientes narrados e a preocupação em escrever de forma a glorificar a  Nação (ex. "Portugal na Grande Guerra" do General Ferreira Martins e "A Batalha do Lys" do General Gomes da Costa). 

 

Esta primeira fase, em que os historiadores foram testemunhas, ou actores, não termina com o Armistício, mas continua com aos políticos e os diplomatas, que seguem o caminho dos generais. Se no início os generais descreviam a guerra, os políticos e os diplomatas historiadores dedicaram-se a descrever e argumentar a culpa da guerra. Porque a guerra foi tão brutal existiu a absoluta necessidade de a justificar e de determinar de quem foi a culpa.

 

Cada país seguiu o seu rumo, mas tanto a França, como a Grã-Bretanha desenvolveram estudos aprofundados sobre a Grande Guerra. A Alemanha dado a sua situação política "revolucionária" e posteriormente Nacional-socialista, e também porque defendeu a ideia de que a sua derrota na guerra se devia a ter sido "punhalada nas costas" pelos políticos da Nação, não produziu na mesma quantidade, e qualidade, historiografia sobre a Grande Guerra. A questão da culpa da guerra foi uma questão central durante este período. 

 

Em Portugal, e se for tomado em consideração a demografia nacional, podemos dizer que existiu uma enorme produção documental nesta primeira fase historiográfica, como pode evidenciar do catálogo das publicações relativas à Grande Guerra (1914-18), existentes na Biblioteca da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, em Lisboa, (1700 documentos catalogados até a 1958).

 

Este modo de apresentação formal da história do conflito mantém-se assim até depois da 2ª Guerra Mundial, apesar de terem começado a aparecer, essencialmente em França, visões mais sociais da história. Mas o grande salto aparece após 1960, quando se dá a descentralização da produção historiográfica para fora das universidades, os velhos actores e testemunhas começas a rarear e a produção de licenciados em história, começa a permitir o aparecimento de grupos de estudo e de produção literária autónomos. 

 

2ª Fase - A Introdução do Paradigma Marxista, ou da História Social e Económica (1960 - 1988)

 

A segunda metade do século XX foi um período de enorme expansão da educação universitária na Europa e nos Estados Unidos da América, e em geral verificou-se uma expansão de público interessado em trabalhos de história. É a época do aparecimento de revistas especializadas.  A nível de trabalhos especializados, dissertações e teses doutorais, é a partir de 1960 que o tema passa a ser reflectido, verificando-se um crescimento exponencial, tanto em França como na Grã-Bretanha.

 

Nesta segunda fase deixa de ser uma história descritiva de acontecimentos, como aconteceu na primeira fase, mas uma história contada por historiadores não académicos, como Ducasse, Meyer e Perreux (1959), que contam a história dos civis e dos soldados. Nesta nova História, as decisões militares estratégicas e diplomáticas passaram para segundo plano. A guerra passa a ser parte de um conjunto de acontecimentos aos quais se encontram ligados a economia e a sociedade. É a transformação da história das Nações, em história dos Povos. Deixa de ser uma história militar ou diplomática, mas também não se fecha numa história social ou tecnológica, é uma história que se amplia por todo o horizonte e que deixa a abertura para futuras investigações, na especialidade.

 

Num contexto social os veteranos de guerra encontram-se já com mais de 60 anos e é neste período voltam a revistar as suas memórias de guerra, já sem a preocupação de auto justificar a sua actuação, mas para descrever as suas experiências pessoais. Acrescenta-se o facto de se comemorar o 50ª aniversário da Grande Guerra e de os media terem à sua disposição um novo veículo de comunicação, a televisão. É a divulgação dos arquivos fotográficos, cinematográficos,  mas principalmente o impacto das entrevistas feitas aos soldados veteranos que contam em directo a suas experiências nas trincheiras e nos cativeiro. A nova visão da Grande Guerra dada através da televisão, mostrou a face individual da guerra.

 

A grande influência da corrente de pensamento marxista, no desenvolvimento da historiografia do após 2ª Guerra Mundial,  levantava agora uma nova questão que ligava a guerra à revolução, passando pelo falhanço da 2ª Internacional em 1914, a traição da Social-democracia e os movimentos revolucionários durante a guerra. O paradigma marxista adicionou à metodologia de análise histórica, dentro de uma visão cientifica de causa efeito, uma relação entre a política e o social e o social e a economia, num entendimento da história como uma constante luta de classes e de relações compromisso.

 

Em 1974 as transformações políticas em Portugal fizeram surgir novos trabalhos neste contexto, como os trabalhos de Oliveira Marques(1972-81), mas a nível internacional destaca-se o trabalho de Marc Ferro (1969), que apresenta uma visão global da guerra, interligada entre os acontecimentos de cada Nação interveniente e ao nível do soldado e dos civis.

 

A abertura dos arquivos secretos a partir de 1967-68, também deram um novo alento à investigação histórica e abriram novas perspectivas sobre a motivação e origens dos motins e posições pacifistas de certos sectores da sociedade. Acrescentando o progressivo desinteresse sobre a perspectiva marxista do mundo nos finais da década de 80, dá-se na Grã-Bretanha, com Becker (1990), um novo passo na historiografia sobre a Grande Guerra, com o estudo numa perspectiva cultural e social da história.

 

3ª Fase - Introdução do Paradigma Cultural, ou da História Cultural e Social(1988 - )

 

A grande evolução deveu-se a duas conferências internacionais basilares para a evolução da historiografia, a Conferência de Nanterre, em 1988, sobre "As Sociedades Europeias e a Grande Guerra" e a conferência de Péronne, em 1992, sobre "A Guerra e a Cultura".

 

Para além de se continuar a falar sobre a política na guerra, os generais na guerra, os soldados na guerra e os civis na guerra, aparece agora o estudo das consequências da guerra e a memória da guerra. Cresce o âmbito da análise histórica e passa-se a apresentar uma visão global da guerra, fazendo referência a todos os intervenientes.  

Já na fase anterior existia uma abordagem social da história, mas a novidade é a análise em termos de mentalidade, opinião e caracterização psicológica. A evolução na historiografia deu-se na desmaterialização da visão materialista marxista da história, qualificando as ideias e as representações sociais e psicológicas libertas das condições materiais ou económicas.

 

É um novo paradigma, ou quanto muito um novo idealismo histórico, que se afasta da justificação causa efeito, em que a causa é sistematicamente a perspectiva derivada da história dos grandes interesses económicos. É uma nova aproximação à história através da análise multidireccional da sociedade.

 

Nesta terceira fase da historiografia da Grande Guerra, a memória e a identidade são inseparáveis. É a análise da evolução tecnológica e as suas consequências perante a identidade, é a obrigação de manter a memória viva, é a necessidade de procurar as origens e de estar preparado para evitar os erros do passado. Esta evolução leva a que se crie um novo paradigma, o paradigma da cultura, em que esta ocupa o lugar central e espalha o interesse pelo património enquanto identidade.

 

Muitos objectos que anteriormente eram apenas curiosidades, transformaram-se em fontes de pesquisa histórica. São fotografias, filmes, postais, monumentos, graffitis, placas comemorativas, brinquedos, muitos outros objectos triviais, que anteriormente contribuíram para a banalização da guerra, e que hoje se tornam fontes primárias. Estes próprios objectos abrem novas vias de investigação, por vezes no domínio da arte, ciência, medicina ou literatura, e como tudo isto afectou o curso da guerra. 

 

Esta alteração de enquadramento da visão da Grande Guerra, começa na percepção inter-guerra de que a Grande Guerra tinha sido a última guerra, mas que com a 2ª Guerra Mundial começa-se a pensar que não terá sido mais do que um novo episódio da Guerra dos 30 Anos. É também vista como o início da barbárie do século XX, que teve episódios como o genocídio Nazi ou os crimes de Estaline.  Hoje é importante contar a história dos homens e mulheres, as experiências intimas e das comunidades envolventes, desvendar a importância do luto, da banalização, da brutalidade e da violência da guerra.

 

Em resumo a evolução da historiografia sobre a Grande Guerra apresentou uma fase inicial em que os actores históricos tentarem explicar as suas decisões, uma segunda fase que tentou explicar a guerra pelo equilíbrio dos movimentos sociais de classe e por último a cultura como explicação das interligações e decisões da guerra, que inclui o comportamento psicológico dos soldados nas trincheiras, incluindo os seus motins2.

 

O que mudou na sociedade

 

O ano de 1918 não é o ano do final da guerra, mas somente um interregno para a continuação em 1939.

 

Os súbditos e cidadão europeus obtiveram algumas melhorias sociais em resultado do conflito; as mulheres começaram a ter direito de voto, muitos povos viram reconhecidos os seus direitos à autodeterminação, (ex. Irlanda), na Grã-Bretanha foi constituído o primeiro governo trabalhista e na Rússia é instaurada uma ditadura do proletariado.

 

Os velhos Impérios Russo e Austro-húngaro acabaram e nasceu uma nova potência mundial os Estados Unidos da América.

 

 

Notas

  1. Marques(1986), p. 289-293.

  2. Winter(2005), pp. 6-31.

 

Bibliografia

  • Marques, A.H. de Oliveira (1986), "História de Portugal, Vol III", Lisboa, 3ª ed., Palas Editora. 

  • Afonso, Aniceto e Carlos de Matos Gomes, (2010), "Portugal e a Grande Guerra, 1914 - 1918", Lisboa, 1ª ed., QUIDNOVI, (ISBN:978-989-628-183-0)

  • Winter, Jay and Antoine Prost, (2005), "The Great War in History, Debates and Controversies, 1914 to the Present", Cambridge, 1ª ed., Cambridge Universitu Press, (ISBN: 978-0-521-85083-4)

 

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Este site foi actualizado pelo última vez em 14-04-2013