Plano Naval de 1912
O Plano Naval de Jacinto
Cândido da Silva - 1896
No final do
século as corvetas mistas encontram-se obsoletas e é evidente a
necessidade de as substituir por cruzadores. As canhoneiras em serviço
não satisfazem, às quais Gago Coutinho vem propor um novo modelo que
virá a ser adaptado.
A contribuição
da Marinha para a defesa naval de Lisboa era também desadequado porque
dependia do NRP Vasco da Gama que era à data já um navio obsoleto e de
apenas mais quatro navios torpedeiros.
No entanto na
Marinha portuguesa já se ponderava sobre a utilização de submersíveis
como arma de guerra e de defesa da barra do Tejo, como se evidencia pela
defesa efectuada por Hugo de Lacerda que afirmava que «que a nação que
possua e saiba aproveitar a navegação submarina na arte da guerra,
pode-se afirmar que está livre de bloqueios, pois hoje eles são
considerados como difíceis de manter por muito tempo, quando dirigidos
contra uma nação que possua uma regular esquadrilha de torpedeiros».
Em 1896 havia
a consciência que a marinha portuguesa não tinha uma força naval válida
para oprar nos mares europeus, face ao qual o submersíveis eram a única
forma barata de defender as costas e os portos nacionais.
Assim em 21 de
Maio de 1896 foi aprovado um programa de reequipamento de emergência da
Marinha, no sentido de colmatar a inexistência de qualquer navio que à
data pudesse ter uma acção real nos mares da Europa. A Lei aprovou a
construção de quatro cruzadores e um rebocador (Bérrio). A estes quatro
cruzadores há que acrescentar o cruzador Adamastor que já se encontrava
em construção nos estaleiros de Fratelli Orlando, em Livorno, Itália, em
consequência da crise diplomática criada com o ultimato da Grã-Bretanha
em 1890.
Esses quatro
cruzadores foram encomendados em diversos países: um em Inglaterra (D.
Carlos I, futuro NRP Almirante Reis), dois em França (S.Gabriel e
S.Rafael) e um em Portugal (Rainha Dona Amélia, futuro NRP República).
O ponto fraco
deste rearmamento de 1896 compreende a questão da estratégia onde se
pretendia inserir esses navios. Os quatro cruzadores estavam mal
preparados para operarem nos mares europeus e também mal adaptados para
servir em águas tropicais. O único verdadeiro cruzador era o D. Carlos
I, de 4.253t e 110m, com uma velocidade máxima de 22 nós. Contudo não
era blindado o que o desabilitava para ser utilizado na defesa da barra
do Tejo ou para aguentar combate contra outro cruzador equivalente, mas
protegido com blindagem tal como acontecia em todas as outras marinhas
europeias.
O Adamastor e
os dois Arcanjos (S. Gabriel e S. Rafael) eram cruzadores ligeiros na
ordem das 1.700t, que nas outras marinhas europeias seriam classificados
como avisos. Estes navios tinha grande dificuldade em operara em
conjunto com o D. Carlos I.
O Vasco da
Gama em 1901 sofreu uma grande remodelação em Itália, o que incluiu o
seu alongamento, aumento da sua tonelagem por incorporação de blindagem
e a instalação de novas peças de artilharia e metralhadoras. A sua
principal missão passou a ser a defesa de costa e assegurar um
complemento de defesa do Campo Entrincheirado de Lisboa por mar.
O cruzador
Rainha Dona Amélia, construído no Arsenal, era um navio em aço, com
casco forrado a madeira e cobre, com um substancial rio de acção e
acomodações generosas, prevendo mesmo a hipótese de transportar uma
força de desembarque, o que o tornou o único cruzador concebido para o
serviço colonial.
Quando se dá a
implantação da República a Marinha apresentava um efectivo de seis
cruzadores de aço, com armamento moderno, luz eléctrica, torpedos e
comunicações TSF. No entanto a aparência de uma força de combate
oceânico, não era real, porém cumpriam as funções de representação
nacional o que é importante em tempo de paz.
Em 1896 a
principal função da Marinha era o apoio às campanhas de pacificação em
África e no Oriente, onde ela é o elemento essencial do apoio logístico
às colunas do exército que se deslocam em terra. A Marinha sacrificou
todos os seus meios para cumprir essa missão, embora tenha sempre
lamentado a falta de uma força efectiva de combate adaptada aos mares
europeus e a falta de meios para reforçar a defesa de Lisboa(4).
O
Plano Naval de Álvaro Nunes Ribeiro - 1908
Com a tomada
de posse do Ministro João Franco em 19 de Maio de 1906, teve início na
Liga Naval Portuguesa um trabalho de diagnóstico da situação da Armada
com o intuito de apresentar um plano de reformas a aplicar à estrutura
naval da marinha de guerra portuguesa. Esse grupo de trabalho foi
composto por um conjunto de jovens tenentes, entre os quais se
encontrava Álvaro Nunes Ribeiro.
O relatório
final, divulgado a 2 de Junho de 1908, numa conferência na Liga Naval
Portuguesa, apresentava como conclusão a necessidade de existir uma
íntima relação entre a marinha militar e a marinha mercante, como um
factor de defesa e desenvolvimento do comércio. Havia a convicção de que
era através do mar que o país poderia prosperar e trazer bem-estar à
população.
Persistia
também a ideia que para a defesa adequada do Estado português seria
necessário uma marinha de guerra poderosa, verificando-se a influência
do pensamento do almirante americano Alfred Thayer Mahan(2), que fosse
capaz de destruir esquadras inimigas no alto mar, impedindo que
alcançassem ou bloqueassem as costas marítimas portuguesas. A teoria de
Mahan defendia o aniquilamento do poder naval do inimigo e para isso a
necessidade da existência de uma marinha poderosa de projecção oceânica,
capaz de defender pontos estratégicos e manter livre e aberta a
navegação marítima comercial.
Plano Álvaro Nunes Ribeiro 1908
Navios |
Número |
Deslocamento (TON/UN) |
Deslocamento (TON/CLASSE) |
Couraçados
|
3 |
15.000 |
45.000 |
Cruzadores |
5 |
2.800 |
14.000 |
Destroyers de Esquadra
|
5 |
450 |
2.250 |
Destroyers de Grupo |
4 |
300 |
1.200 |
Torpedeiros |
24 |
150 |
3.600 |
Canhoneiras (*) |
12 |
400 |
9.600 |
Total |
53 |
|
75.650 |
Nota (*) as 12 canhoneiras eram para
serviço de apoio e fiscalização nas colónias. (Fonte A Marinha de Guerra
e o Orçamento, Lisboa, 1908) (1)
Na época estava a cargo do Exército a defesa do Império
Africano, cabendo apenas à Marinha apoiar logisticamente as forças
terrestres. As lutas de pacificação desenrolavam-se no interior,
normalmente longe do litoral e dos rios. O Atlântico era a maior
preocupação estratégica para o país, devido ao reforço naval espanhol
com os planos de Miguel Villanueva de 1905 e de José Ferrándiz y Niño de
1908. Também é de notar que o pensamento da época generalizava a função
da esquadra atlântica a uma função de predador, em batalha, no
alto mar.
Num seu artigo de Agosto de 1909,
Álvaro Nunes Ribeiro identificava o "inimigo provável" como sendo
Espanha e que existia a necessidade de clara de seguir de perto o
rearmamento naval deste, para não correr o risco de ficar
irremediavelmente para trás. Espanha pela sua vizinhança com Portugal,
como também pelas suas tendências expansionistas após a perda de Cuba,
era um evidente inimigo provável.
Porque
desde os últimos anos do século XIX se estava perante uma revolução dos
meios de propulsão e dos materiais de construção naval, que se estava
perante um ambiente favorável à problematização da renovação da esquadra
e do futuro da Marinha. As alterações tecnológicas viram da introdução
de novos produtos industriais, como aço barato, explosivos mais
potentes, electricidade aplicada aos navios, telegrafia sem fios
torpedos e motores de explosão.
Estava em discussão que esquadra a manter, onde
construir os novos navios, qual a localização de futuras bases navais e
qual o plano estratégico da Marinha. A importância deste trabalho não
foi interrompida com a implantação da Republica em 5 de Outubro de 1910,
pelo contrário foi incrementado o empenho sobre o mesmo. Para dar
continuidade a este trabalho a República nomeou em Janeiro de 1911 uma
grande comissão, composta por mais de quarenta oficiais.
O
Plano Naval de Fernando Pereira da Silva - 1911
A Grande Comissão nomeada pela República
em Janeiro de 1911 teve como seu
responsável estratego e doutrinador 1º Tenente Fernando Pereira da Silva, ficando o
então 2º Tenente Álvaro Nunes Ribeiro como secretário. Trataram-se de
anos politicamente conturbados e a discussão sobre o papel estratégico
da Marinha saiu do foro interno da comissão para a discussão política e
partidária, passando os grupos que formavam a nova elite dirigente, cada
um a defender um modelo ideal diferente de Marinha. Sem recursos para
investir na Defesa Nacional, os diversos planos que iam sendo
apresentados não passavam do papel. Ainda em Setembro de 1911 a
Grande Comissão finalizou o trabalho e apresentou o Plano.
Plano Fernando Pereira da Silva 1911
Navios |
Número |
Deslocamento (TON/UN) |
Deslocamento (TON/CLASSE) |
Couraçados (dreadnoughts) |
3 |
22.500 |
67.500 |
Cruzadores
(exploradores) |
3 |
4.500 |
13.500 |
Destroyers
(contratorpedeiros) |
12 |
850 |
10.200 |
Submersíveis
|
6 |
300 |
1.800 |
Total |
24 |
|
93.000 |
Houve alguma inovação na definição
das unidades navais, em parte também porque houve uma evolução
tecnológica ao nível os submersíveis que em 1911 já eram encarados como
uma arma de guerra defensiva eficaz. Por um lado mantém-se a ideia de
uma esquadra atlântica ofensiva com dezoito unidades, couraçados,
cruzadores e contratorpedeiros, e por outro a defesa de portos com a
utilização de submarinos, torpedeiros e navios mineiros.
Nas zonas pesqueiras aparece a ideia
de introduzir unidades de fiscalização e para a Marinha colonial a
utilização de navios auxiliares multifunções.
Neste Plano Estratégico o Atlântico
continua a ser a grande preocupação do país, em muito por causa do
"perigo espanhol", como também da necessidade de integração e
participação do esforço de naval da aliança. Também reflecte a anterior
doutrina do Plano de Álvaro Nunes Ribeiro 1908, agora reforçado pelo
facto de Espanha monárquica não ver com bons olhos a implantação da
República em Portugal e ao mesmo tempo que Espanha desenvolvia vários
esforços diplomáticos para conseguir apoio para uma intervenção em
Portugal com vista à formação de uma união ibérica.
Em Janeiro de 1911 a esquadra
atlântica era formada por cinco velhos cruzadores do Plano Jacinto
Cândido 1896, sem qualquer uniformidade de equipamento de máquinas e
armamento.
A Marinha tinha um problema de falta
de meios e as unidades existentes estavam obsoletas tecnologicamente. O
seu "inimigo provável" estava a rearmar-se e Portugal com a sua ampla
facha litoral estava obrigada a repensar a sua defesa. Era necessário
elevar o poder militar terrestre e marítimo, ao limite de garantir a
independência nacional, tendo em conta que era objectivo manter as
colónias e os seus acessos, o que implicava a necessidade de manter um
poder naval que garantisse esse mesmo objectivo.
Outra questão levantada no Plano de
1911 era a do estaleiro de construção naval, se deveria passar para
privados, mantendo apenas a manutenção e armamento no Estado e a
necessidade de definir a localização das principais bases e estações
navais, sendo que ficou definido que o teatro principal de actuação da
Marinha seria: Lisboa, Açores e Cabo Verde, com uma linha estratégica no
Atlântico Norte entre Lisboa e açores, para melhor defender as rotas
para as colónias.
O plano, tal como os anteriores, foi
alvo de muita discussão política tendo apenas sido aprovado em 1912 um
programa naval mínimo do Plano de 1911, estando apenas operacional no
início da Grande Guerra um submersível, três canhoneiras e três
contratorpedeiros.
O Eixo Lisboa-Açores
(3)
O Plano estratégico de Pereira da
Silva considerava essencial para Portugal o eixo Lisboa-Açores, com uma
base naval em Lisboa e um ponto de apoio na Horta (estação naval),
porque a Horta tinha o único porto natural dos açores com capacidade
teórica para abrigar os navios maiores, nacionais ou ingleses.
Estrategicamente a esquadra nacional
deveria actuar a partir de um qualquer dos pólos desse eixo, dependendo
a sua acção das circunstâncias. No caso de uma esquadra inimiga com
força superior tentasse bloquear Lisboa, poderia vir a ser necessário
retirar para a Horta e a partir daí atacar o inimigo, sem que a esquadra
ficasse bloqueada. Noutros casos poderia ser conveniente dividir a
esquadra e actuar a partir dos dois pólos. Considerava que deveria ser
sempre neste eixo que a esquadra deveria actuar, tanto para defender o
continente como para bloquear os portos espanhóis, ou para impedir a
passagem de uma esquadra inimiga para Sul. Também era necessário estar
preparado para defender os Açores, caso uma esquadra inimiga conseguisse
atravessar a esquadra britânica e tentasse ocupar os Açores.
É face à determinação deste eixo que
no Plano de 1911 se verifica uma alteração na tonelagem dos
contratorpedeiros, que ao terem a missão de combater no eixo
Lisboa-Açores tinham de estar aptos para navegar em mares fortes e com
autonomia mínima de 900 milhas.
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