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O enaltecimento do sentido de sacrifício foi retratado pela primeira vez no cinema, com o filme "J'accuse" de Abel Gance, de 1918-19, onde se foca a temática do regresso dos mortos. Tem uma visão apocalíptica da guerra onde é abordo o sentido do sacrifício humano e a inutilidade desse mesmo sacrifício. Os mortos ao regressarem à terra natal, vêm que a vida continua e o espaço vazio deixado com as suas mortes é de imediata reocupado.


A cena final do filme "J'accuse", os mortos vivos caminham como zumbis em direcção a casa e isso tem um sentido dramático acrescido, tanto mais que foi filmada com figurantes dispensados pelo exército francês em 1918, antes do Armistício, e muitos dos quais vieram a morrer posteriormente em combate.


Os mortos transformaram-se nas figuras centrais do pós-guerra.


O Luto

Como relatar as mortes, como transcender a brutal separação da vida, como descrever a crueldade da guerra, são dos dilemas que os artistas, políticos, soldados e os cidadãos comuns tiveram de compreender e retractar. Estes foram factos que modelaram a cultura europeia depois da Grande Guerra.


NA cultura verificou-se um impacto directo entre as consequências da guerra e a transformação do sentido das correntes modernistas europeias que tinham nascido antes do no início do século XX.


Verifica-se uma transformação da interpretação do sacrifício humano como um "melodrama" do período anterior à Grande Guerra, para a interpretação do sacrifício humano como um "mito", com impacto na evolução interpretava da guerra ao nível literário e plástico.


O "mito" redefine os cânones do modernismo e as experiências artísticas de avant-garde sem colidir com o tradicional e o naturalismo, transformando os artistas em simples rebeldes e inovadores dentro de uma evolução simultaneamente natural, cultural e tecnológica.


As mortes não terminaram com o Armistício de Novembro de 1918 e as causas de morte em combate foram substituídas pelas causas de morte pela fome e pela pneumónica (gripe espanhola). As causas de morte que estiveram durante anos limitadas às fronteiras dos teatros de guerra junto às posições de combate entre os exércitos beligerantes, alastrou-se por todos os territórios nacionais. Às frentes internas nacionais há que acrescentar a imagem de horror de guerra que os mutilados traziam no corpo ao regressarem a casa e as memórias relatadas dos feridos, gaseados e dos prisioneiros. Eram verdadeiras memórias físicas e mentais do desastre da guerra.

O Sentido do Sacrifício Humano

O regresso dos mortos transformou-se por toda a Europa num momento de luto, a que Portugal não ficou à parte.  


Teve início uma frenética procura pelos desaparecidos e a tentativa de reconhecimento de milhares de corpos não identificados que se encontravam espalhados por campas e cemitérios improvisados ao logo dos milhares de quilómetros da linha da frente, desde a Suíça até Às margens do Mar do Norte.


A identificação e localização de familiares e amigos tornou-se uma tarefa impossível. Milhares de soldados não tiveram direito a uma campa identificada e para muitas famílias continuou por muito tempo a possibilidade de ainda estarem vivos. Não se pode deixar de referir que muitos prisioneiros só regressaram em 1921, em especial alemães detidos na frente oriental (Rússia).


Mas a esperança de encontrar vivos os familiares desaparecidos depressa findou e os Estados tiveram a obrigação de encontrar lugares  lugar onde pudessem honrar os seus mortos. A criação de lugares de culto, para exortar um luto colectivo e permitir a peregrinação.


O luto obrigava a encontrar lugares de peregrinação, tanto mais que não se tratava de apenas uma necessidade moral ou religiosa, existiam milhares de corpos espalhados pelos campos de batalha, ou em campas individuas não identificadas e era necessário encontrar um lugar digno para os repousar. A solução encontradas pelos governos mundiais não foram muito diferentes, mas cada governo encontrou soluções ligadas à cultura e religiosidades nacional e à capacidade política de interiorizar e recordas o seu passado.


Em 1915 o Governo  Francês decidiu criar um vasto conjunto de cemitérios militares para enterrar os soldados. Em 1916 o governo Britânico decide separar as campas dos seus soldados e inicia cemitérios próprios, no entanto, com poucas excepções, ninguém voltou para a Grã-Bretanha. Portugal em viria também a ter o seu cemitério militar em França e também foram poucos os corpos transladados para Portugal.


Em Portugal a primeira legislação para tratamento dos mortos de guerra portugueses na frente europeia surge em 1917, que veio a criar a Comissão Portuguesa das Sepulturas de Guerra (CPSG), com a responsabilidade de identificar, concentrar e efectuar a inumação dos corpos das frentes de guerra.


Na frete europeias a dispersão levou a um primeiro esforço para concentrar os corpos espalhados pelo território da Flandres, num cemitério militar exclusivamente portugueses, mas durante  o conflito a Comissão encontrou diversos obstáculos por parte das autoridades francesas, como limitações sanitárias e espaciais, que levaram a que os corpos ficassem espalhados por vários cemitérios no final da guerra (em 88 cemitérios da Alemanha, 23 da Bélgica; 2 da Espanha; 141 da França; 1 da Holanda e em 3 cemitérios da Inglaterra), e que o cemitério militar exclusivamente português de Richebourg l'Avoué repousasse 1831 mortos, dos quais 238 são desconhecidos.


A acção de CPSG foi extremamente importante, apesar das limitações claras que resultaram da identificação dos corpos, ou mesmo da necessidade da permanência destes em cemitérios de território aliado. Dos cerca de 2086 mortos, 206 não foram identificados ou os corpos não foram encontrados (PT/AHM/1D/35S/CX140).


Bibliografia

Margarida Portela, "O Cemitério militar português de Richebourg i'Avoué", A Guerra de 1914-1918, www.portugal1914.org

PT/AHM, 1.ª divisão, 35.ª secção, caixa 1401 – Relação de cemitérios estrangeiros com sepulturas portuguesas de guerra. Lisboa, 12 de Agosto de 1937, p. 1-7.

Memorial aos Mortos da Grande Guerra. http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Paginas/Splash.aspx

Rosas, Fernando e Rollo, Maria Fernanda, coordenação(2010), História da Primeira República Portuguesa, 2ªed., Lisboa, Tinta da China. (ISBN: 978-972-8955-98-4)


Winter, Jay and Antoine Prost, (2005), The Great War in History, Debates and Controversies, 1914 to the Present, Cambridge, 1ª ed., Cambridge Universitu Press, (ISBN: 978-0-521-85083-4)


Cortesão, Jaime (1919), Memórias da Grande Guerra, (1916-1919), Porto, 3ª ed., Edição da Renascença Portuguesa.


Os Soldados Desaparecidos

A dor é um estado de espírito e a perda é uma condição, que só é ultrapassada pelo luto, um conjunto de actos que os sobreviventes expressam a dor e que passa por vários estados de perda. Muitos desses momentos são vividos em família e suportados pela comunidade. A separação dos familiares que partiram para a guerra dos que ficaram amplia este sentido de perda.


Em todos os países intervenientes na guerra houve um movimento progressivo de entre ajuda, tanto individual como organizado em grupos de suporte às vitimas e familiares, que progressivamente evoluiu de um processo de consolação para um processo de comemoração .


Uns dos primeiros problemas que se colocavam aos familiares era de ter notícias e de localizar os soldados feridos ou mortos. Relativamente ao conhecimento da situação e de como tinha acontecido existia um profundo silêncio relativamente à existência de sofrimento. Isto tanto acontecia em informações recebidas por meios informais ou oficiais. Todos os que tiveram familiares envolvidos na guerra foram de alguma forma vitimas de guerra.


Na pesquisa do destino dos soldados a Cruz Vermelha Internacional  liderou o esforço através voluntários e pesquisadores que procuravam saber do paradeiro dos soldados e que comunicavam a situação aos familiares. O sofrimento pela espera de notícias, ou a ausência  das mesmas era um foco de dor e sofrimento. Foi um trabalho que demonstrou altruísmo e vontade de ajudar os outros. Outras organizações civis e religiosas também se preparam para ajudar e consular as famílias em luto, transformando-se em estruturas de assistência social.


Muitos regressavam mutilados, outros doentes, e precisavam de auxílio por um período prolongado. Estas associações muitas vezes substituíam-se, ou colmatavam insuficiências, na assistência provida pelo Estado. Não era possível chegar às linhas da frente ou aos hospitais de guerra para apoiar os familiares feridos ou moribundos, e mesmo quando se tinha conhecimento da situação a tempo, não era possível chegar à cabeceira do filho, ou do marido, para o apoiar naquele momento final de passagem. Da consolação e apoio às vítimas da guerra para a comemoração da memória foi um pequeno passo.


As acções de auxílio partilhadas com aqueles que se encontravam em luto: pais, viúvas, filhos, amigos, combatentes, mutilados de guerra, jovens e velhos, eram expressas abertamente em cerimónias colectivas. Dias como o do Armistício e o 9 de Abril para Portugal, passaram a ser datas em que as comunidades e associações passaram a relembrar as vítimas. O luto colectivo e a comemoração da memória colectiva eram o único escape para um funeral que nunca aconteceu, ou se aconteceu não foi participado pelos familiares próximos.


Para os portugueses que viviam longe das frentes de combate, França e África, a Cruz Vermelha Portuguesa era o elemento base de comunicação, para tomarem conhecimento sobre os familiares desaparecidos. Com mais de 100.000 homens mobilizados para a guerra entre 1914 e 1918,  distribuídos entre França e África, houve a necessidade de comunicar com aproximadamente 5.000 a 7.000  prisioneiros.


O destino dos soldados prisioneiros em La Lys foi comunicado às famílias oficialmente (????) dias depois. O tempo de comunicação era longo e a situação sobre a verdade do acontecimento, ou mesmo sobre os detalhes só mais tarde chegou ao conhecimento público.


Muito foram dados como mortos ou desaparecidos, mas que na realidade se encontravam prisioneiros. Dar a informação que um soldado se encontrava desaparecido implicava um aumento do desespero entre os familiares, uma vez que existiam muitas situações de erro de identificação dos mortos.


As informação só chegou verdadeiramente confirmada através de camaradas regressados ou voluntários de organizações de suporte, que contavam mais pormenorizadamente as situações. Outro problema era as versões contraditórias sobre o desaparecimento de soldados e tanto pior quando no final da guerra não regressaram a casa.


O Luto

Formaram-se muitos grupos de assistência àqueles cujas vidas ficaram marcadas para sempre: os mutilados, as viúvas e os órfãos. Para muitos foi um processo de recuperação longo ou mesmos clinicamente impossível.  Mas mesmo para aqueles que conseguiram recuperar o suficiente para se integrarem numa actividade produtiva, o problema de reintegração social foi mais complexo.


O apoio do Estado dado às vítimas de guerra foi insuficiente em todas as nações,. Se por um lado o número o enorme número de vítimas implicava custos insustentáveis de reabilitação, outros Estados, como Portugal, o estado da economia também privava a existência de um auxílio adequado. Muitos tiveram de se socorrer dos suas próprias economias, do auxílio de familiares ou mesmo de recorrer à mendicidade para sobrevier.


Muitos dos soldados feridos e com doenças contraídas durante a guerra nos anos seguintes ao fim da guerra, fazendo com que as famílias continuassem de luto por muitos mais anos, devido à Grande Guerra. Foi uma situação não quantificada que passou despercebida do grande público e que marcou em privado muitas famílias. À insuficiência de iniciativas dos Estados beligerantes, contrabalançou as iniciativas privadas e colectivas da sociedade civil.


Em França nos finais de 1917 existiam cerca de 125 sociedades que representavam mais de 125.000 feridos e mutilados de guerra, e que nos anos seguintes as sociedades aumentaram para cerca de um milhar, representando milhões de feridos, mutilados e apoiantes das acções de solidariedade. Muitas das sociedades foram criadas para apoio local, em cidades e vilas, entre o espírito de solidariedade e para a continuidade do espírito de camaradagem das trincheiras. Com o passar dos tempos os apoios sociais foram-se esmorecendo e o Estado passou a recordar nas comemorações, mais a memória da guerra do que das vítimas. Com o passar dos anos o auxílio às vítimas centrou-se principalmente em associações civis e religiosas, e a ajuda transformou-se de um apoio social, em caridade. Não foi só em Portugal que esta situação aconteceu, foi transversal  na Europa, desde a Alemanha e Áustria até França e Grã-Bretanha. E 1923 foi estimado pela "International Labour Organization" a existência de 10 milhões de homens mutilados de guerra.


Cerca de um terço dos 9 milhões de militares mortos terão deixado viúvas para trás, ou seja cerca de 3 milhões e aproximadamente 6 milhões de órfãos. Se na época a viuvez significava pobreza, no final da guerra os números tornavam impossível o auxílio. Em França e Grã-Bretanha a pensão por viuvez demonstrou-se um meio de auxílio muito importante para a subsistência destas pessoas, apesar de ser muito inferior a um salário. Na Alemanha existiam cerca de 525.000 viúvas e perto de 1 milhão de órfãos, em 1920.


Assim, o vazio deixado entre o auxílio do Estado e as necessidades mínimas de sobrevivência, foi minorado pela acção dos grupos e associações de apoio social. Não pode ser esquecido o apoio dos ex-combatentes na criação destas iniciativas.  O esforço associativo representou o trabalho de muitos cidadãos para ajudar os soldados e as suas famílias, durante o período de guerra e na reintegração dos militares na vida civil no pós-guerra.


O sofrimento e a comemorações dedicadas à memória da guerra estão interligadas. Os monumentos memoriais são símbolos colectivos, mas existem outros símbolos mais íntimos, como fotos de familiares mortos com dedicatórias escritas, ou cartas de soldados que escreveram às famílias dos seus camaradas mortos, dando condolências e partilhando memórias sobre aquele momento (Winter, 2005, 29-53).


Os Mutilados da Guerra

Ilustração Portuguesa, n. 603, 1917/09/10, p.217

Ilustração Portuguesa, n. 646, 1918/07/08, p.28

A Grande Guerra despoletou o renascimento do espiritualismo. Os soldados evocavam os antepassados em seu auxílio. Este pensamento místico começou a ser utilizado, também, para a evocação do regresso dos mortos para auxiliar os vivos em combate a para ultrapassar os seus traumas de guerra. Durante o período de guerra, até mesmo a Igreja Católica utilizou a Fé, por exemplo o Milagre de Fátima, para acompanhar as necessidades espirituais da população. No sofrimento o espiritualismo religioso auxiliava as vítimas a compreender as atrocidades da guerra e os sinais divinos que se lhes deparavam nos campos de batalha, por  exemplo os Cristos das trincheiras.


Psicologicamente o espiritualismo podia ser visto como uma negação da morte. Independentemente das convicções individuais dos soldados, muitos aceitavam o sobrenatural. A frente de combate estava impregnada de fenómenos psicológicos, derivados da violência envolvente que trazia ao cimo toda a espécie de crença popular. O soldado tornou-se supersticioso e daqui surgiram muitas histórias, lendas e sinais proféticos que se propagaram entre todos os soldados e chegaram mesmo aos seus familiares na Pátria. A "arte de guerra" que se desenvolveu através da reutilização de objectos militares para a construção de objectos religiosos, demonstra esse nível de espiritualismo religioso individual e, também, colectivo.


Em Portugal nasceu o culto de Nossa Senhora de Fátima, logo depois do aparecimento da Virgem Maria. Esta veneração da Virgem foi uma consequência do desespero popular, que circundava a guerra e de uma partilha do sofrimento e da esperança de fim da guerra que era partilhada com os soldados a combater em França. Em França observou-se situações de aparições em que envolviam a imagem de Joana d'Arc. Existem dezenas de histórias de milagres individuais registados nos campos de batalha ao longo da Grande Guerra. Também existem relatos de premonições, tanto de familiares em relação à morte do filho, ou marido, como de soldados em relação à sua morte ou de camaradas.


A ligação entre o "espiritualismo religioso" e a "experiência de guerra" é evidente na arte memorial comemorativa dos monumentos à Grande Guerra. Muito marcante em França, a Grã-Bretanha ,devido à sua posição religiosa anglicana, apresenta uma estética mais linear e integrada na paisagem. Portugal seguiu uma estética republicana entre o romantismo e a separação do Estado da Igreja.

O período de 1914-18 foi o apogeu do espiritualismo religioso e profano na Europa, mas por volta de 1930 já tinha passado e regressado a valores residuais na sociedade, mas culturalmente e sobretudo na pintura influenciou profundamente o surrealismo (Winter, 2005: 54-77).


O Renascimento do Espiritualismo

A necessidade de entender as razões da Grande Guerra, e no caso nacional o da intervenção na Europa, começaram assim se deu entrada no conflito. Os memoriais, sejam monumentais, esculturas ou simples placas, encontram-se espalhados por vilas e cidades de todo o Mundo, para que todos se recordem dos sacrifícios que aconteceram entre 1914 e 1918.


Hoje as comemorações são diferentes de país para país, dependendo da sua intervenção na guerra, cultura e religiosidade. Em França os memoriais são maioritariamente "monumentos aos mortos", inclusive o monumento português que se encontra em Nord-Pas de Calais, que os coloca numa lógica de sofrimento e sacrifício. Na Grã-Bretanha e outro países anglo-saxões, incluindo a Alemanha e a Áustria os monumentos são menos representativos do sofrimento, mais ambíguos, representando mais a guerra como acontecimento histórico, do que o sofrimento individual. Aquilo que os nossos antepassados sentiam quando viam os monumentos é diferente daquilo que hoje, década passadas e sem um vivência directa da guerra vimos nesses mesmos monumentos. No entanto, têm em comum uma tradição arquitectónica de esculturas publicas, que se inserem na definição cultural de cada nação e representam sempre um símbolo de orgulho nacional.


Actualmente é feita uma interpretação política da estética dos monumentos, tentando interpretá-los com base em ideários monárquicos, republicanas , nacionalistas, fascistas, comunistas ou democráticos, ou ainda, como monumentos à "guerra". Para os contemporâneos tinham um significado diferente, uma vez que eram interpretados como símbolos das perdas pessoais (filhos, maridos e amigos) e representavam um reconhecimento do Estado perante o sacrifício individual e a partilha do luto. Eram locais de partilha colectiva da memória de guerra.  


Alguns monumentos foram construídos, ainda, durante o conflito, como o monumento que se encontra no cemitério de Nossa Senhora das Angústias, na Madeira, inaugurado a 3 de Dezembro de 1917. mas a maior parte foi após o Armistício.


Os monumentos memoriais estão colocados em três tipos de espaços. Durante o período de guerra eram colocados junto dos locais de combate, no pós guerra passaram a se colocados locais públicos das vilas e cidades, e por último em cemitérios. Actualmente em Portugal existem casos em que os monumentos que foram colocados em cemitérios foram transferidos para praças públicas, como o monumento aos combatentes da Grande Guerra em Castelo Branco.


Os monumentos colocados em locais públicos têm em comum um sentido patriótico, demonstrando a universalidade do sacrifício, o sentido de dever nacional e demonstram o valor dos soldados pertencentes à comunidade. Os monumentos em cemitérios são mais restritos e ligados ao sacrifício da comunidade em relação à Pátria, como uma demonstração de dever sagrado, ligado à religiosidade da comunidade. Só entendendo uma alteração da religiosidade de uma comunidade e a perda da ligação directa e afectiva da sociedade com os seus mortos, visto se terem passado mais de 90 anos do Armistício, se compreende a transferência de local monumento que se encontrava num cemitério para uma praça pública.  


A utilização da cultura popular como forma de mobilização da nação para o esforço de guerra foi utilizado por todos os intervenientes no conflito. Cada nação desenvolveu a sua própria linguagem, mas houve um factor comum, o qual tendeu a colocar os combatentes de 1914-18, como os homens que preservavam as virtudes e guerreiras.  Os países celebraram os seus heróis do passado, do exército ou da marinha, dentro das tradições nacionais, e para aqueles em que não existiam figuras tão marcantes na história, como a Austrália e  Nova Zelândia, celebraram de forma geral e simbólica o soldado e o marinheiro comum, como a ligação ao passado militar. França na sua tradição gaulesa celebrou desde o soldado ao grande comandante.

Imagens comemorativas  eram vendidas em grandes quantidades, tanto em artefactos como em cartazes. Também foram produzidos muitos objectos domésticos comemorativos, entre muitos destaca-se as "cruzes comemorativos" alemães, cosidas à roupa, toalhas e mantas, ou bordadas com pregos sobre uma superfície de madeira.  Mas esta industria comemorativa foi transversal à França e à Inglaterra. Também foram produzidos materiais para cerimónias públicas, tipo pronto a usar.  Na Alemanha a Cruz de Guerra foi um dos símbolos mais usados. Eram também muito usados símbolos como a Cruz, muito mais em países protestantes do que católicos, uma vez que a iconografia protestante limitava a utilização de outros símbolos de fé. Ressalve-se que a cultura popular alemã imperial era essencialmente protestante. Ao longo da guerra os alemães comemoravam a batalha de Tannenberg, Agosto de 1914, e centravam a personificação da vitória no seu herói nacional Paul von Hindenburg.


Os rituais comemorativos estavam cercados pela lenda guerreira dos povos, e uma tradição nacional, tendendo a fazer um apelo ao sacrifício dos soldados e à dívida dos cidadãos perante o seu sacrifício supremo, a morte.


Após o fim da guerra as comemorações deixaram de ter um sentido mobilizador, perdendo parte da linguagem referente ao nacionalismo patriótico e passaram a tem uma linguagem mais virada para a desolação, sacrifício, perda e luto. A industria comemorativa transforma-se e os objectos produzidos deixam de ser mobilizadores para passarem a ser de consolo e suporte à perda humana. A Igreja, as associações de apoio a ex-combatentes e as comunidades locais passam a dedicar-se a cerimónias públicas de lembrança do Armistício e muitos dos monumentos são construídos por contribuição pública.

Muitos dos memoriais foram construídos com características religiosas e colocados em locais como pátios de igrejas e cemitérios, mas também em praças e jardins públicos. A separação do Estado da Igreja, tanto em França como em Portugal, assim como o anglicanismo britânico, levaram à sobriedade iconografia dos monumentos memorais da Grande Guerra. A arte monumental apresenta-se na fronteira entre o cristianismo e o paganismo, numa quase religiosidade, dentro dos padrões da arte funerária do início do século XX.


A Cruz como representação do sacrifício máximo para o Cristianismo, foi um dos símbolos mais utilizados para a representação do sofrimento. A escultura “Canada's Golgotha” de Derwent Wood, foi um dos extremos da representação da Cruz, quando representou o mito da crucificação de um soldado do Canadá por topas alemãs.

Um dos meios utilizados para difundir a ideia de sofrimentos foi a fotografia de Cristo na Cruz, em altares de igrejas destruídas ou em nichos espalhados pelos campos de batalha. Imunes às balas desafiavam a morte. Uma destas imagens encontra-se no Mosteiro da Batalha, na sala do Capítulo, a encimar o Túmulo do Soldado Desconhecido.


As comemorações da Grande Guerra foram, e são, uma expressam de esperança. Construídos em locais visíveis são o primeiro passo para o "Culto dos Mortos", numa visão sobre a reconstrução nacional e de legitimação do luto individual e da comunidade. Com forte valor simbólico foi aproveitado politicamente pelos fascistas italianos e alemães, no entanto, a principal função era de desconstruir a morte, o horror, o trauma e o sofrimento individual, produzindo o efeito de um funeral oficial das vítimas de guerra, para a comunidade local onde se inseria o monumento. Cada nação teve a sua própria forma de expressão dos sentimentos e cada um ficou represento o carácter da população local e a sua sensibilidade.


A existência física do monumento memorial e a possibilidade de tocar os nomes daqueles que morreram pela Pátria, é um importante e faz parte do ritual de separação  que os envolve. Muitas fotografias da época mostram pessoas a tocar os monumentos, num gesto que os liga aos lugares é aos tempos de combate. Luto e melancolia são a razão destes gestos, de acordo com Freud(1917), e este ritual é libertador e permite o retorno à normalidade do dia a dia. Os monumentos transformam o sentido de perda palpável e generaliza a dor. Os monumentos ajudam a sociedade a demarcar o limite da dor e marcam um ponto final na morte.


Os monumentos memórias estabelecem o limite entre os mortos e os vivos, e representam a arte do esquecimento. São um marco no ritual de passagem e por isso estão ornamentados de símbolos religiosos, pagãos e profanos. Pela serenidade que os cemitérios transmitem a arte memorial é nestes locais mais abstracta e austera. Independentemente de terem sido esculpidos por artistas tradicionalistas ou modernistas existiu sempre a preocupação de expressar a dívida dos vivos perante os mortos.  Os monumentos memoriais e os cemitérios de guerra são um pequeno tributo perante aqueles que viveram e morreram durante a maior guerra do século XX (Winter, 2005:78-116).


Os Monumentos, Memoriais e o Processo de Luto