Para cima

Depósito de Concentrados Alemães


No censo efectuado em 1910 existiam 969 súbditos alemães e 110 austro-húngaros. Com o Decreto-lei 2350, de 21 de Abril de 1916, foi dada ordem de expulsão a todos os súbditos inimigos, excepto aos do sexo masculino, com idades compreendidas entre 16 e 45 anos, que seriam internados, podendo ser acompanhados pelas suas famílias se desejassem. A República foi muito longe em 1916 quando desnacionalizou, ou seja retirou a nacionalidade portuguesa, aos nascidos de pai alemão.


Neste contexto foram enviados para a ilha Terceira, Forte de São João Baptista em Angra do Heroísmo, esses súbditos e ainda as tripulações dos navios capturados em Fevereiro de 1916 nos portos portugueses. Este campo de internados era acompanhado pela Cruz Vermelha Portuguesa. A Comissão Portuguesa de Prisioneiros de Guerra nos Açores, tutelada pela Cruz Vermelha Portuguesa, foi nomeada em Abril de 1916 e teve como principal função assegurar a correspondêull ncia postal entre as famílias desunidas, acompanhar a execução das resoluções da Conferência Internacional de Washington de 1912 e identificar os concentrados junto da comunidade internacional na procura de familiares.

Prisioneiros Alemães a chegarem ao Forte de São João Baptista, Angra do Heroísmo, 1916


Numa fase inicial os Açores tiveram três depósitos distintos, um em cada uma das ilhas principais.


Em finais de Abril e inícios de Maio de 1916, inicia-se o acolhimento dos súbditos alemães radicados nas ilhas e dos tripulantes da embarcações apreendidas, e em Junho começam a ser enviados para Angra do Heroísmo. Um grupo de 47 alemães e austríacos vieram da Índia (Goa), alegadamente por razões de saúde para Angra do Heroísmo (16).


Até Janeiro de 1917 deram entrada no forte de São João Baptista 551 prisioneiros, oriundos de diversas parte do Império Ultramarino Português, à excepção de Moçambique, Timor e Macau. Este número foi progressivamente aumentando até se atingir os 724 concentrados em Agosto de 1918 para depois começar a declinar.

Internados na parada do Forte de São João Baptista, ao fundo vê-se as portas falsas (1918)


O fluxo de centenas de prisioneiros levantou uma série de problemas de natureza logística às autoridades militares portuguesas. Entre várias foi necessário melhorar o abastecimento de água e a rede eléctrica do Forte de São João Baptista, bem como para a concretização de uma série de  obras de saneamento e adequação dos aquartelamentos.


Este promoveram uma intensa actividade cultural que incluiu serões culturais abertos à população da cidade. Outra actividade ocupacional era a jardinagem que criou o "jardim dos alemães" cuja memoria da localização se perdeu mas se pensa que se terá localizado na vertente Este da elevação do Facho. Para além a utilização das instalações do Forte para habitação também foram instalados em casas de colmo.  Apesar de existir convívio  entre a comunidade portuguesa e alemã existiram alguns atritos e outras situações complicadas de resolver.

Internados dentro do edifício principal

Foi encontrada uma Ordem de Serviço do Regimento de Infantaria n.º 25, Ordem Serviço n.º 122, de 1 de Maio de 1916, que fixa o regime a que estavam sujeitos os súbditos alemães:


Artº III - Publicações



1º Os Alemães concentrados nesta Ilha ficam sujeitos ao regime a sublinhar:


     a) não poderão estar fora do seu quartel desde o toque de recolher ao toque de alvorada;


     b) têm homenagem no todo do castelo e traseiras do Monte Brasil, não podendo aproximar-se a menos de 200m do local do pico das Cruzes;


     c) deverão apresentar-se todos os dias às 10 e 17 horas ao oficial de serviço ao depósito;


     d) não poderão fazer qualquer comércio na ilha ou fora dela;


     e) não poderão adquirir propriedades rústicas ou urbanas na ilha, salvo requisição de géneros para o seu uso próprio;


     f) não poderão ter relações seguidas de convívio com qualquer português ou frequentar as casas de cidadãos portugueses, a não ser que se trate de mulher ou familiares menores, sendo também proibido o convívio com os habitantes do Castelo.





2º Poderá o comandante do depósito autorizar a saída do Castelo a qualquer alemão ou familiar mediante salvo conduto e pelo tempo julgado indispensável ao fim para que foi pedida tal licença.




3º É permitido aos serviçais dos súbditos alemães mediante salvo conduto, irem à cidade adquirir os meios de subsistências para aqueles que se alimentam à sua custa, todos os dias das 7 às 9 horas e excepcionalmente a qualquer hora em que se torne exigida a urgência.




4º Toda a correspondência entrada e saída dos súbditos alemães ficará sujeita a censura deste comando para o que se deverá observar o seguinte:


     a) Nos dias de chegada dos paquetes o comandante do depósito mandará buscar a correspondência ao correio, que entregará neste comando;


     b) Um dia antes da partida dos paquetes deverá ser entregue no mesmo comando toda a correspondência a sair que será censurada e visada no envelope a fim de poder dar entrada no correio;


     c) A correspondência saída deverá ser toda escrita em português.


Comando Militar dos Açores 30 de Abril de 1916.

O Comandante Militar dos Açores

António Augusto Oliveira Guimarães, General.


Em 29 de Abril de 1916 chegou a Angra do Heroísmo um reforço de infantaria, proveniente do Regimento de Infantaria n.º 16, de Évora,  composto de 1 Capitão, 2 Alferes, 2 2ºSargentos, 2 1ºCabos, 2 2ºCabos, 2 Corneteiros e 45 praças que constituíram uma secção de adidos. As praças ficaram de serviço neste Regimento e os oficiais ficam exclusivamente com o encargo de serviço ao Depósito de Concentrados Alemães. (14)


Durante o ano de 1916 o Depósito de Concentrados Alemães teve como comandante o Capitão Álvaro Viana de Lemos.




Internados no refeitório

Capitão Álvaro Viana de Lemos

Dentro do Depósito de Concentrados Alemães existia uma organização social imposta pelos próprios, que se organizou  socialmente em três classes, das quais à primeira pertenceriam os comandantes, os ricos comerciantes e industriais e professores, entre mais, para na segunda classe se integrarem os oficiais de bordo, telegrafistas, desenhadores, etc. e na terceira, os marinheiros, fogueiros e agricultores, entre outros.


As condições sociais eram pois adaptadas conforme o status do indivíduo, quer ao nível do contacto com os portugueses, como entre os próprios. Existiam também familiares, incluindo criadas, mas a maioria era solteira e apresentava uma idade média de 30 anos. (15)

Internados e familiares num teatro improvisado no Forte de São João Baptista

Agradecemos à familiar Fabiola Reinecke Rodrigues a segunda foto de Ehrard Reinecke.


Ehrard Reinecke era violinista e professor da escola “Muller Orquestra”.


Está ao centro da foto tirada no campo de internamento. Era residente na Ilha da Medeira e foi um dos que foram deportados para os Açores com a família: Ernest George Reinecke, Ernest Reinecke e Augusta Romana de Freitas Reinecke.

Com o fim da Grande Guerra deu-se o início ao processo de repatriação. Só em 25 de Setembro de 1919 é que chegou à ilha Terceira um delegado da subcomissão de repatriamentos.


Assim, em Outubro de 1919, “foi ordenado a todos os alemães concentrados no Castelo que poderiam sair se tivessem dispostos a pagar as despesas do transporte para as localidades onde desejassem fixar residência”. O navio que veio de Hamburgo com para os transportar só saiu da Alemanha a 7 de Novembro de 1919.


A maioria partiu a bordo do navio “Lothar Bohlen”, vindo propositadamente da Alemanha, encontrando-se no cais “muitas damas e cavalheiros angrenses apresentando as suas afectuosas despedidas”.


Durante os quatro anos de que estiveram no Forte de São João Baptista verificaram-se apenas nove óbitos.


Bilhete-postal com sobrecarga AÇORES. OM38, 1C verde escuro, distribuídos gratuitamente aos prisioneiros de guerra, remetido de Angra do Heroísmo (14.05.19) para a Alemanha. Carimbo:"DEPÓSITO / DE / CONCENTRADOS ALEMÃES / NA / ILHA TERCEIRA".

Grupo de Alemães internados em Angra do Heroísmo, 1918, Grupo XI "Residentes do Faial"

Bibliografia


Simões, Luiz José(1920), 200 milhas a remos: Narrativa Trágico-marítima, Lisboa, Empresa Diário de NotÌcias.


Bento, Carlos Melo( 2008), "História dos Açores", Ponta Delgada, EGA.


VVAA(2005), Os Açores como Espaço Estratégico, Ponta Delgada, Gráfica Açoriana, LDA.


Inso, Jaime Correia do(2006), A Marinha Portuguesa na Grande Guerra, Lisboa, Comiss„o Cultural da Marinha, (ISBN: 972-8004-86-9)


Mendes, José Agostinho de Sousa (1989), Setenta e Cinco Anos no Mar, (1910-1985), 1∫ Volume - I/II/III Partes, Lisboa, Comissão Cultural da Marinha.


PT AHM/DIV/1/36/33/12, CorrespondÍncia (cópias) entre o Gabinete do Ministro da Guerra e o Comandante do Depósito dos Internados alemães nas Caldas da Rainha, acerca da administração do DepÛsito.


Silva, Henrique CorrÍa da (Paço d'Arcos), (1931), "Memórias de Guerra no Mar", Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.


Rezendes, Sérgio(2008), Grande Guerra nos Açores; Memória Histórica e Património Militar, Tese de Mestrado, Universidade dos Açores.


Herz, Norman(2003), Operation Alacrity: The Azores and the War in the Atlantic, Naval Institute Press.


PT/AHM/DIV/3/01/18/24, Defesa dos Açores e Madeira, informação prestada aos Estados Unidos da América.


FPC EHS/CX1/SPC16.1, Espólio de Humberto Serrão, Fundação Portuguesa das Comunicações, Lisboa.


“Colóquio - O Porto da Horta na História do Atlântico”, Horta, 2010; Horta. Museu, org. conf.; Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta, org. conf., Horta : Museu : A.A.A.L., D.L. 2011


Livermore, Seward W.(1948), "The Azores in American Strategy-Diplomacy, 1917-1919", The Journal of Modern History, Volume XX, September 1948, n.∫ 3.


Ordens de Serviço do Exército, 1ª série, 1915.


Telo, António José(1999), Homens, Doutrinas e Organização 1824-1974 Tomo I, Lisboa, Academia de Marinha, (ISBN: 972-781-007-1)



Os Prisioneiros Alemães no Açores

Internados junto ao edifício capela

Parada do Forte de São João Baptista, ao fundo vê-se as portas falsas (2018)


Edifício capela 2018

Almoço ao ar livre junto à Igreja

Grupo de crianças alemãs no Monte Brasil

Grupo de funcionários da companhia alemã de cabo submarino da Horta, internados a 1 de Maio de 1916

Embarque dos internados alemães no cais da Figueirinha em Angra do Heroísmo, para  regresso à Alemanha (Novembro 1919). Ao fundo é visível o navio “Lothar Bohlen”,

Fonte: Informação colocada pelo Tenente-Coronel de Infantaria António José Cordeiro Ferreira Frazão no site do Instituto Histórico da Ilha Terceira, em 25 de Julho de 1999 (consultado em 2000).

Igualmente acessivel em: http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/a7f6f76a687045798fc9aa4ad3ac2271.pdf Boletim do Instituto de História da Ilha Terceira Vol. LVI, 1998, pp.381-3.