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Os Atiradores de 1ª Classe do Corpo Expedicionário Português

Pouco tempo após as primeiras tropas portuguesas terem ocupado posições na 1ª linha das trincheiras na Flandres, foram visitados por uma equipa de observadores britânicos com a missão de confirmar os relatos que chegavam ao Comando do 1º Exército, relativos ao elevado número de ataques de snipers alemães na zona portuguesa e para quantificar a liberdade de actuação e eficácia desses mesmos ataques. (HESKETH-PRICHARD, 1920, p.68)


Refira-se que esta mesma situação já tinha sido observada anteriormente nas linhas britânicas antes do aparecimento de atiradores especiais no exército, os quais passaram a combater os alemães de igual para igual e a restringir a sua capacidade de actuação.


Esta especialidade foi desenvolvida pelo Major Hesketh Vernon Hesketh-Prichard que criou as contramedidas necessárias ao implementar a escola de observadores e atiradores, com base no Castelo de Hardelot em Pas-de-Calais, conhecida como First Army Scouting, Observation and Sniping School – 1ª Army S.O.S. School. Este curso consistia numa instrução especializada em técnicas de observação e tiro durante duas semanas. (MARTINS, 1934, p. 228)


À Escola de Scouting, Observation and Sniping foram adstritos dois oficiais portugueses a título permanente, que contribuíram para o posterior estabelecimento de quatro cursos de atiradores especiais para o Corpo Expedicionário Português. Cada um desses cursos de formação reuniu em geral oito oficiais e quarenta praças para instrução. (HESKETH-PRICHARD, 1920, p.184)


É de referir que para os militares portugueses existiu a dificuldade de se depararem com um armamento pessoal totalmente novo, uma vez que o seu equipamento standard era a espingarda Mauser. Existiu, ainda, o problema da língua que obrigava à utilização de intérpretes, já que raramente se encontrava entre os instruendos um que falasse inglês, e por último, como refere o Major Hesketh-Prichard, o exército português ainda não tinha implementado a utilização de miras telescópicas e adquirido o hábito de camuflagem. (HESKETH-PRICHARD,1920, p.186)

Fotos tiradas durante o cursos de snipers para atiradores do Corpo Expedicionário Português, na 1ª Army S.O.S. School (Junho 1917)


Apesar de todas estas vicissitudes, tanto o General Ferreira Martins como a do Major Hesketh-Prichard referem em trabalhos publicados que os militares portugueses eram detentores de boa capacidade de adaptação para a execução de missões de observação e de sniper.


O General Ferreira Martins (MARTINS(1934), p. 229) a título de exemplo refere que de 32 praças incorporadas no curso de Janeiro de 1918, curso geral de praças britânicas e portuguesas, as praças portugueses obtiveram o 2º, 4º e 5º lugar da classificação final e que inclusive o último lugar pertenceu aos britânicos e o Major Hesketh-Prichard (HESKETH-PRICHARD, 1920, p.186) refere que num exercício de demonstração de tiro efectuado por oito atiradores especiais portugueses, perante um conjunto de visitantes que reunia oficiais superiores portugueses e britânicos, estes conseguiram frente a alvos constituídos por cabeças de bonecos (dummy heads) expostas durante seis segundos a 180m (200 yards) acertar 32 vezes em 40 disparos, o que representou 208 pontos em 224 possíveis, demonstração cabal da boa capacidade de adaptação ao armamento britânico e ao tiro com telescópio.

Os Snipers Alemães

Com o fim da guerra de movimento nos finais de 1914 na frente ocidental, deu-se início a uma guerra de desgaste onde as trincheiras se tornaram um palco ideal para a acção de snipers. Os alemães com uma experiência militar neste tipo de acção conseguiram durante o ano de 1915 ganhar o domínio da Terra de Ninguém e como refere o Tenente Shingleton da 7ª Divisão de Artilharia, qualquer pessoa que se colocasse em pé a descoberto fora das trincheiras tinha morte instantânea. (PEGLER, 2001, p.14)

Em 1914 a Alemanha era a única potência que fornecia em quantidade miras telescópicas para espingardas às suas tropas e que aproveitava a experiência de tiro dos caçadores para os trinar no exército como atiradores especiais. No início da Grande Guerra a Alemanha dispunha de uma grande quantidade de armas de tiro desportivo com miras telescópicas, assim como cerca de 15.000 espingardas Mauser Gewehr 98 equipadas de fábrica com miras telescópicas.


Os alemães, por causa dos hábitos nacionais de caça grossa tinha a possibilidade de recrutar para sniper um grande numero de homens que conheciam a arte de tiro e tinham conhecimentos de camuflagem. Na orgânica dos batalhões de infantaria alemães existia uma secção de snipers, de 24 homens, composta por aqueles que tinham demonstrado maior capacidade de tiro e concluído o curso de atirador especial em uma das várias escolas existentes no exército. (PEGLER, 2001, p.15)

Armaduras especiais para snipers e operadores de metralhadoras fixas nas trincheiras. Da esquerda para a direita uma protecção corporal, protecção facial e reforço de protecção para o capacete Modelo 1916. Em todos artefactos faltam as tiras de fixação. 

Os snipers alemães trabalhavam isoladamente e tinham autonomia para se colocarem livremente para posições à sua escolha. Estes também tinham protecção à prova de bala que utilizavam quando disparava do parapeito da trincheira, o que inibia a acção dos snipers aliados, já que o armamento standard não tinham capacidade furar a protecção. 


O tiro de sniper era efectuado normalmente a menos de 180m entre trincheira e por vezes a distâncias menores quando os snipers se colocavam de forma camuflada na Terra de Ninguém. No entanto, as opticas alemãs Zeiss, Gerard e Voigtlander conseguiam proporcionar tiros úteis até 300m. A 180m era possível um tiro na cabeça e a 300m no corpo (PEGLER, 2001, p.22)

Os Snipers Britânicos

A infantaria britânica era treinada para conseguir uma cadência de tiro em combate de 15 tiros por minuto, mas esta eficácia só tinha relevância numa guerra de movimento. Em contrapartida não existia treino nem especialização para a utilização de atiradores especiais. Esta falta de treino colocava os soldados britânicos nas trincheiras em grande desvantagem perante os alemães.

 

À falta de treino juntava-se uma incompreensão da acção dos snipers inimigos o que levava a que muitos soldados acabados de chegar à primeira linha fossem mortos em pouco tempo com um tiro na cabeça. Durante o ano de 1915 era habitual que um batalhão na primeira linha, mesmo em zonas sossegadas, chegasse a perder entre 12 a 18 homens por dia devido a fogo de snipers inimigo. (PEGLER, 2001, p.14)

Major Hesketh-Prichard, pelo seu trabalho com os soldados do CEP foi agraciado pelo Governo Português no final da guerra com a Ordem de Avis

Entre os oficiais britânicos que se esforçaram por alterar a situação destacam-se os majores: Frederick Maurice Crum, Hesketh Vernon Hesketh-Prichard (comandante da  1ª Army S.O.S. School), N.A.Armstrong (comandante da 2ª  Army S.O.S. School) e Penberthy (comandante da 3ª Army S.O.S. School). O Major Hesketh-Prichard verificou que em 1915 os poucos snipers do exército eram homens que tinham o mínimo conhecimento de como agir e de calibrar os telescópios das suas armas. Por exemplo a forma como se expunham no para peito das trincheiras fazia deles um excelente alvo para os snipers alemães.


As escolas foram fundadas oficialmente em 1916, tendo para o 1º Exército a 1ª  Army S.O.S. School ficado instalada em Bethune e a 2ª  Army S.O.S. School em Acq, e para o 4º Exército a 3ª  Army S.O.S. School em Bouchon. Mais tarde a 1ª  Army S.O.S. School, em 1917, passou para o Castelo de Hardelot em Pas-de-Calais. (PEGLER, 2001, p.16)

Quartel-General do 1ª Army S.O.S. School

No curso de sniper era ministrado durante duas semanas técnicas de manutenção da arma, detecção de alvos, preparação de campos de tiro e camuflagem. Também havia um cuidado especial em dar instrução para observadores de tiro. No final existia um exame prático e escrito. Para se ser um sniper não bastava ser um atirador exímio, havia a necessidade de ter uma capacidade psicológica especial.


Os britânicos também organizaram secções de snipers, à imagem dos alemães, compostas por 16 soldados um cabo e um sargento, que também estavam dispensadas de fazer serviço nas trincheiras e que se podiam posicionar livremente ao longo da linha de combate. Ao contrário da técnica alemã os snipers britânicos (e os portugueses que frequentaram a 1ª Army S.O.S. School) trabalhavam aos pares, sniper mais o observador (scout), os quais trocavam periodicamente de função para descansar a vista. (PEGLER, 2001, p.16)


Um último problema era que a munições britânicas não conseguiam penetrar nas protecções dos snipers alemães. Só a partir dos finas de 1916 é que passou a existir um número limitado de munições AP (perfurantes) que os snipers utilizavam pontualmente contra alvos blindados. (PEGLER, 2001, p.23)


Não existem estatísticas sobre quantos mortos foram causados por snipers, mas a tomada de conhecimento que existia um sniper inimigo na zona era suficiente para criar um efeito desmoralizador entre as fileiras. 

Bibliografia

PEGLER, Martin (2001), The Military Sniper since 1914, Oxford, Osprey Publishing


HESKETH-PRICHARD, Hesketh Vernon (1920), Sniping in France; with Notes on the Scientific Training of Scouts, Observers, and Snipers, London, Hutchinson & Co.


Imperial War Museum - Collections and Research [online], disponível em <http://www.iwm.org.uk/collections-research> [Consulta em 12/10/2013]


MARTINS, Ferreira (1934),  Portugal na Grande Guerra, Vol. I, Lisboa, 1º ed., Empresa Editorial Ática.


Imperial War Museum - With the Portuguese Expeditionary Force in France (1917), [Filme IWM 411, Arquivos do Imperial War Museum], Grã-Bretanha, War Office Cinema Committee; Topical Film Company,  disponível em <http://film.iwmcollections.org.uk/record/index/47266/3108> [Consulta em 28/09/2013]


PICARDO, Nuno (28/01/2018) - Facebbok, Grupo Centenário da Participação de Portugal na Primeira Grande Guerra, in Rui Teodósio (01/01/2018) [Consulta em 28/01/2018]


Atiradores Especiais

Atirador Especial - 1ª Cabo João Nunes Júnior

João Nunes Júnior - Primeiro-Cabo

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O Soldado João Nunes Júnior, do BI 15 Tomar, filho de João Nunes e de Emília Rosa, natural de Casais, Tomar embarcou em Lisboa com destino a Brest a 20 de Janeiro de 1917. Foi promovido em França a 1º Cabo em 13 de Julho de 1917 e mais tarde, em 1 de Janeiro de 1918, promovido a 2º Sargento Miliciano.


Em Março de 1918 começaram as ofensivas alemãs de Primavera sobre a Frente Ocidental e foram vários os ataques alemães sobre a zona da frente controlada pelo CEP.


A 24 de Março de 1918 foi evacuado para a Ambulância n.7, a 25 de Março para o Hospital de Sangue n.2 e a 31 de Março para o Hospital da Base n.1, onde se manteve até 20 de Abril em convalescença. A 13 de Maio de 1918 transferido para o BI11 e colocado no Depósito de Infantaria (não identificado).


A 22 de Julho de 1918 foi evacuado para o Porto de Embarque, Cherbourg, para seguir para Portugal em gozo de 30 dias de licença, tendo sido confirmado 29 de Julho a sua colocação como adido ao Depósito Misto em Cherbourg. Não existe referência no Boletim CEP, da vinda efectiva a Portugal em gozo de licença, mas existe a indicação de regresso a Portugal e de ter desembarcado em Lisboa a 15 de Outubro de 1918.

(Fonte: PT AHM-DIV-1-35A-2-03-01881).


João Nunes Júnior integrou o primeiro contingente português da Observation and Sniping School, e foi um dos primeiros observadores do CEP na linha da frente.


No seu diário, Diário do Soldado do C.E.P. João Nunes Júnior, ainda não publicado (PICARDO, 2018), relata: “No dia 30 (Julho de 1917) fui levar um relatório de um homem que morreu nas trincheiras ao pé de mim com uma bala DUM DUM na cabeça ao sr. Alferes Conceição, para ele indicar o sítio de terreno onde o homem morreu, indo eu depois leva-lo à secretaria”.